Uma breve comparação entre o sistema Inglês e o sistema Português
1) A Administração Judiciária ou de Tipo Britânico
Na Inglaterra não existe uma
diferenciação entre a ordem judiciária e a administrativa pelo que os tribunais
comuns são competentes para julgar casos de Direito Administrativo. Quanto às
características do sistema administrativo importa referir que quanto à
separação de poderes, ao longo da história o Rei foi sendo impedido de resolver
questões de natureza contenciosa e de dar ordens aos juízes, transferi-los ou
demiti-los devido ao Act of Settlement (1701);
a Inglaterra é um Estado de Direito uma a vez que a longa tradição iniciada com
a Magna Carta consagrou no Bill of Rights os direitos, liberdades
e garantias dos cidadãos. Existe uma descentralização pois há distinção entre a
administração local e a central.
A Administração está sujeita aos
Tribunais Comuns pelo que os litígios que surjam entre as entidades
administrativas entram na jurisdição desses tribunais. Como é dos remedies que surjem os rights, os tribunais aplicando os mesmos
meios processuais às relações entre particulares e às relações entre
particulares e Administração Pública não procuram soluções diferentes das da
vida privada para a resolução dos problemas da Administração. Desta forma não
há distinção quanto ao direito aplicado em ambos os casos é o Direito Comum, o Common law of the land que se aplica, estando
a Administração sujeita a esse direito assim como o “Rei”, em consequência do rule of law (designando a ideia de que o
Direito deve dar protecção aos indivíduos contra qualquer arbitrariedade por
parte do Estado)
Quanto a execução judicial das
decisões administrativas, no sistema de tipo britânico a Administração não pode
executar as suas decisões por autoridade própria. Se um órgão da Administração
tomar uma decisão desfavorável a um particular (por exemplo uma ordem de
expulsão) se o particular não cumprir essa ordem a Administração não pode
aplicar meios coactivos para impor o respeito pela sua decisão. Terá que se
dirigir a um Tribunal Comum para obter deste, segundo o due process of law, uma sentença que torne imperativa aquela
decisão. Desta forma as decisões unilaterais da Administração não têm força
executória própria, não podendo ser imposta uma ordem a um particular sem
prévia intervenção do tribunal.
Na sequência daquilo que foi dito,
existe um sistema de garantias dos cidadãos contra ilegalidades e abusos da
Administração. Assim se algum dos órgãos da administração exercer os seus
poderes de autoridade pública, que lhe foram conferidos por lei, é considerado
como um “tribunal inferior”. Contudo se os execerder, o particular pode
recorrer a um tribunal superior solicitando um writ ou uma order do
tribunal à autoridade para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Até às reformas de 1933 e 1938 havia no direito inglês cinco writs utilizáveis contra a Administração
Pública: o habeas corpus, para fazer
cessar uma prisão ilegal; o certiorari para
anular uma decisão ilegal; o quo warranto
para aumentar uma investidura ilegal num cargo público; o prohibition, para impedir a autoridade de cometer uma ilegalidade
por ela projectada, e o mandamus,
para ordenar o cumprimento de um dever legal. Em 1933, os writs de certiorari,
prohibition e mandamus foram
substituídos por orders com a mesma
denominação; em 1938, o quo warranto foi
substituído pela injunction (criação
da Equity).
Assim os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face à
Administração Pública. Os juízes podem por exemplo, ordenar às autoridades administrativas
que cumpram a lei, fazendo o que ela impõe sendo que estas ordens são
normalmente acatadas pela Administração.
2) Administrative Tribunals
Os Tribunals faziam
parte da justiça administrativa e eram considerados non-departmental public bodies contudo com a reforma de 2007
constituíram um sistema unificado com autoridade judicial reconhecida, vias de
recurso e supervisão reguladora. O sistema de justiça administrativa é o sistema global em
que as decisões de
natureza administrativa ou
executiva são feitas
em relação a pessoas
particulares sendo regulado (assim como os tribunais)
pelo Administrative Justice and Tribunals Council (constituído pelo Parliamentary Commissioner
for Administration e entre dez a quinze membros escolhidos pelo Lord
Chancellor, o Scottich Ministers e o Welsh ministers). Este Conselho (que substituiu em 2007 o Conselho de Tribunais) analisa o funcionamento e constituição dos
tribunais, podendo examinar e comentar a legislação respeitante aos mesmos.
Em 2007 houve uma reforma do sistema de tribunais do sistema
administrativos através do Tribunals, Courts and
Enforcement Act 2007 que criou uma nova estrutura unificada para os
tribunais e reconheceu legalmente os seus membros como membros do Poder
Judiciário do Reino Unido. A lei criou dois novos tipos de tribunais para onde
foram transferidas as jurisdições pré-existentes: o First-Tier Tribunal e o
Upper Tribunal.
O First-Tier Tribunal adquiriu competência de vinte tribunais
que existiam antes da lei de 2007 e é contituido por seis câmaras: a General
Regulatory Chamber, a Social
Entitlement Chamber, a Health, Education and Social Care Chamber, a Tax
Chamber, War Pensions and Armed Forces Compensation Chamber e a Immigration and
Asylum Chamber. Cada câmara é presidida por um chefe de Câmara, sendo o
First-Tier constituído por juízes e outros membros (escolhidos pela Judicial Appointments Commission) que decidem os casos suscitados
(normalmente as decisões são feitas por um juiz e dois membros). Os recursos
das decisões destes tribunais seguem para o Uper Tribunal carecendo todavia, de
permissão concedida por este último ou do First-Tier Tribunal.
O Uper Tribunal foi constituído para racionalizar o sistema
dos tribunais e para fornecer um tratamento comum de recursos contra as
decisões dos tribunais inferiores, sendo considerado um tribunal de recurso o
que lhe dá um estatuto equivalente ao High Court (os seus precedentes são
vinculativos). É constituído por quatro câmaras: a Administrative Appeals
Chamber, a Tax and Chancery Chamber, a Lands Chamber e a Immigration and
Asylium Chamber. Estas julgam as decisões das câmaras do First-Tier Tribunal
que foram alvo de recurso e, das suas próprias decisões pode haver recuso para
o Court of Appeal.
3) Organização dos
Tribunais
Existem na Inglaterra dois tipos de tribunais: os superiores e os
inferiores. Quanto aos tribunais superiores, hoje o que se encontra no topo da
hierarquia é o Supreme Court of the
United Kingdom (que substituiu a Câmara dos Lordes) e cujo precedente é
vinculativo para todos os outros tribunais mas não para ele. Este tribunal foi
criado pelo Constitucional Reform Act
2005 e iniciou as suas funções em 2009. É constituído por 12 juízes, sendo
que só pode haver recurso a este tribunal se o tribunal inferior (na
hierarquia) que julgou o caso estiver no Role
of The Supreme Court. Caso não esteja o particular não pode a este
recorrer.
Ainda fazem parte dos tribunais superiores o Court of Appeal of England and Walles (que compreende uma Divisão
Civil e uma Divisão Criminal) e é
constituído por 37 juizes. Os seus precedentes são vinculativos para o High Court, Crown Court e County Courts.
Os dois primeiros são tribunais superiores; o High Court possui três divisões: Queen’s Bench Division que tem competência em matéria civil, o Chancery Division e o Family Division. Já o Crown Court é competente em matéria
penal. Os precedentes destes tribunais são vinculativos para os tribunais
inferiores.
Dos tribunais inferiores fazem parte o County Court e o Magistrates´
Court. Os primeiros são competentes em matéria civil de pequeno valor e os
segundos têm competência em matéria penal para pequenos delitos. Das decisões
do Magistrates´ Court cabe recurso
para o Crown Court.
Com esta hierarquia é possível verificar que os administrative tribunals não são
considerados tribunais comuns. Passaram a existir pertencendo a um sistema
criado em 2007 (sendo por isso relativamente recente) de tribunais que não são
comuns mas possuem uma hierarquia própria e que são controlados pelo Conselho
de Administração da Justiça e Tribunais. Contudo o Direito aplicado nesses
tribunais é Direito Privado sendo os litígios entre particulares e Administração
Pública regulados por esse mesmo Direito.
Em conclusão…
As diferenças históricas a nível de formação do Direito
contribuíram para a distinção entre o sistema de Direito Administrativo Inglês
e Português. Uma das diferenças relevantes, deveu-se ao facto de o Direito
Romano não ter influenciado o sistema do common
law tão nitidamente como o romano – germânico, de forma que em Inglaterra
não existia distinção entre o Direito Público e o Direito Privado.
Contudo, coloca-se a
questão de saber se não poderá ser considerada a existência de um direito
público, uma vez que existem tribunais que regulam questões administrativas
aplicando precedentes administrativos e leis administrativas. O Direito
Administrativo seria assim um Direito Público uma vez que se tem em vista a
prossecução do interesse público, começando a Administração a surgir com alguma
autoridade e estando sujeita aos Tribunais, embora agora esteja sujeita ao Administrative Court que fiscaliza os inferiror courts e os tribunals (a partir da judicial review -
procedimento no direito administrativo Inglês pelo
qual os tribunais de Inglaterra fiscalizam o
exercício do poder público sobre
uma acção contra um indivíduo). A fiscalização exercida
cobre pessoas singulares ou colectivas públicas que exerçam funções de direito
público. Este é ainda um aspecto em evolução, devido à existência de um common
law que é aplicado a todos, mas que com a distinção entre tribunais
administrativos e judiciais pode evoluir no sentido de se verificar uma
distinção entre Direito Publico e Direito Privado.
O Direito
Administrativo na ordem jurídica portuguesa é um ramo de direito público, isto
porque as normas de direito publico são estabelecidas tendo em vista a
prossecução do interesse colectivo, e destinam-se a permitir que esse interesse
seja realizado; os sujeitos de direito que compõem a Administração são sujeitos
de direito público, nomeadamente entidades públicas ou pessoas colectivas
públicas; e a actuação da Administração que o Direito Administrativo regula é
aquela em que a Administração surge investida de poderes de autoridade.
Surgiram no século XX os administrative
tribunals em Inglaterra que não eram verdadeiros tribunais mas órgãos
administrativos independentes, criados junto da administração central, para
decidir questões de direito administrativo que a lei mandava resolver por critérios
de legalidade estrita (exemplo das pensões sociais) e, portanto, fazendo
preceder a decisão de um due process law
e com recurso para os tribunais comuns. Estes tribunais, como analisado
anteriormente sofreram uma unificação de tornou o sistema inglês muito
semelhante ao português (no que ao direito administrativo diz respeito e por
existir um Conselho que regula o seu funcionamento e organização, uma vez que
em Portugal existe o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais
que é o órgão de gestão e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e
fiscal), com a excepção de estes serem controlados pelos tribunais comuns (pois
os recursos às decisões do Uper-Tribunal seguem para os tribunais comuns),
Em Portugal os
tribunais são independentes sendo o Supremo Tribunal Administrativo a instância
superior uma vez que se distingue a ordem jurisdicional da administrativa. Vigorou,
durante o séc. XIX e o primeiro quartel do séc. XX, o sistema do
administrador-juiz, com algumas interferências dos Tribunais Judiciais. Contudo
em 1930 foi adoptado o sistema dos Tribunais Administrativos.
Uma das diferenças relevantes entre
os tribunais administrativos ingleses e portugueses, é a vinculação dos
primeiros a precedentes, pelo que em Inglaterra os casos são resolvidos através
da jurisprudência, sendo em Portugal a lei a fonte principal de resolução de
litígios (a extracção de normas aplicáveis ao caso concreto e não a aplicação analógica
de decisões anteriores por existirem factos semelhantes).
Existe hoje, com a reforma dos
tribunais na Inglaterra, uma maior preocupação por parte deste país em
assegurar aos cidadãos uma melhor justiça, sendo mais rápidas as decisões por
parte dos tribunais e menos morosos os processos. Assegura de melhor forma as
necessidades dos cidadãos e os seus direitos, uma vez que decidido o caso, pode
haver recurso para tribunais superiores, dependendo da matéria administrativa
de que se trata, e, em último caso, pode existir recuso para os Tribunais
Comuns Superiores (existe uma dupla garantia uma vez que estão ainda sujeitos
às decisões dos Tribunais Superiores). Em Portugal as questões administrativas
são decididas pelos Tribunais Administrativos sendo que o Supremo Tribunal
Administrativo decide em última instância.
Na situação actual é de considerar a
aproximação dos dois sistemas, que prosseguem as mesmas ideias de formas
diferentes, tendo em conta que a formação Direito foi, também ela, desigual.
Márcia Farias nº 19719
Fontes: ALDER, JOHN – Constitutional and
Administrative law, 2005; AMARAL, DIOGO FREITAS – Curso de Direito
Administrativo volume I, 3ª Edição, Edições Almedina, 2006; AMARAL, DIOGO
FREITAS – Curso de Direito Administrativo volume II, 2ª Reimpressão, Edições
Almedina, 2001 ; MIRANDA, JORGE Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 8ª
Edição, Coimbra Editora, 2009; OTERO,
PAULO – Instituições Politicas e Constitucionais, Volume I, Edições Almedina
2007; OTERO, PAULO – Direito
Constitucional Português, Volume II, Edições Almedina 2010; VICENTE, DÁRIO
MOURA – Direito Comparado, Volume I, Edições Almedina, 2008
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