segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Tribunais administrativos - os administrative tribunals



Uma breve comparação entre o sistema Inglês e o sistema Português

1) A Administração Judiciária ou de Tipo Britânico

         Na Inglaterra não existe uma diferenciação entre a ordem judiciária e a administrativa pelo que os tribunais comuns são competentes para julgar casos de Direito Administrativo. Quanto às características do sistema administrativo importa referir que quanto à separação de poderes, ao longo da história o Rei foi sendo impedido de resolver questões de natureza contenciosa e de dar ordens aos juízes, transferi-los ou demiti-los devido ao Act of Settlement (1701); a Inglaterra é um Estado de Direito uma a vez que a longa tradição iniciada com a Magna Carta consagrou no Bill of Rights os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Existe uma descentralização pois há distinção entre a administração local e a central.
          A Administração está sujeita aos Tribunais Comuns pelo que os litígios que surjam entre as entidades administrativas entram na jurisdição desses tribunais. Como é dos remedies que surjem os rights, os tribunais aplicando os mesmos meios processuais às relações entre particulares e às relações entre particulares e Administração Pública não procuram soluções diferentes das da vida privada para a resolução dos problemas da Administração. Desta forma não há distinção quanto ao direito aplicado em ambos os casos é o Direito Comum, o Common law of the land que se aplica, estando a Administração sujeita a esse direito assim como o “Rei”, em consequência do rule of law (designando a ideia de que o Direito deve dar protecção aos indivíduos contra qualquer arbitrariedade por parte do Estado)
         Quanto a execução judicial das decisões administrativas, no sistema de tipo britânico a Administração não pode executar as suas decisões por autoridade própria. Se um órgão da Administração tomar uma decisão desfavorável a um particular (por exemplo uma ordem de expulsão) se o particular não cumprir essa ordem a Administração não pode aplicar meios coactivos para impor o respeito pela sua decisão. Terá que se dirigir a um Tribunal Comum para obter deste, segundo o due process of law, uma sentença que torne imperativa aquela decisão. Desta forma as decisões unilaterais da Administração não têm força executória própria, não podendo ser imposta uma ordem a um particular sem prévia intervenção do tribunal.
            Na sequência daquilo que foi dito, existe um sistema de garantias dos cidadãos contra ilegalidades e abusos da Administração. Assim se algum dos órgãos da administração exercer os seus poderes de autoridade pública, que lhe foram conferidos por lei, é considerado como um “tribunal inferior”. Contudo se os execerder, o particular pode recorrer a um tribunal superior solicitando um writ ou uma order do tribunal à autoridade para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Até às reformas de 1933 e 1938 havia no direito inglês cinco writs utilizáveis contra a Administração Pública: o habeas corpus, para fazer cessar uma prisão ilegal; o certiorari para anular uma decisão ilegal; o quo warranto para aumentar uma investidura ilegal num cargo público; o prohibition, para impedir a autoridade de cometer uma ilegalidade por ela projectada, e o mandamus, para ordenar o cumprimento de um dever legal. Em 1933, os writs de certiorari, prohibition e mandamus foram substituídos por orders com a mesma denominação; em 1938, o quo warranto foi substituído pela injunction (criação da Equity).
Assim os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face à Administração Pública. Os juízes podem por exemplo, ordenar às autoridades administrativas que cumpram a lei, fazendo o que ela impõe sendo que estas ordens são normalmente acatadas pela Administração.

2) Administrative Tribunals

Os Tribunals faziam parte da justiça administrativa e eram considerados non-departmental public bodies contudo com a reforma de 2007 constituíram um sistema unificado com autoridade judicial reconhecida, vias de recurso e supervisão reguladora. O sistema de justiça administrativa é o sistema global em que as decisões de natureza administrativa ou executiva são feitas em relação a pessoas particulares sendo regulado (assim como os tribunais) pelo Administrative Justice and Tribunals Council (constituído pelo Parliamentary Commissioner for Administration e entre dez a quinze membros escolhidos pelo Lord Chancellor, o Scottich Ministers e o Welsh ministers). Este Conselho (que substituiu em 2007 o Conselho de Tribunais) analisa o funcionamento e constituição dos tribunais, podendo examinar e comentar a legislação respeitante aos mesmos.
Em 2007 houve uma reforma do sistema de tribunais do sistema administrativos através do Tribunals, Courts and Enforcement Act 2007 que criou uma nova estrutura unificada para os tribunais e reconheceu legalmente os seus membros como membros do Poder Judiciário do Reino Unido. A lei criou dois novos tipos de tribunais para onde foram transferidas as jurisdições pré-existentes: o First-Tier Tribunal e o Upper Tribunal.
O First-Tier Tribunal adquiriu competência de vinte tribunais que existiam antes da lei de 2007 e é contituido por seis câmaras: a General Regulatory Chamber, a Social Entitlement Chamber, a Health, Education and Social Care Chamber, a Tax Chamber, War Pensions and Armed Forces Compensation Chamber e a Immigration and Asylum Chamber. Cada câmara é presidida por um chefe de Câmara, sendo o First-Tier constituído por juízes e outros membros (escolhidos pela Judicial Appointments Commission) que decidem os casos suscitados (normalmente as decisões são feitas por um juiz e dois membros). Os recursos das decisões destes tribunais seguem para o Uper Tribunal carecendo todavia, de permissão concedida por este último ou do First-Tier Tribunal.
O Uper Tribunal foi constituído para racionalizar o sistema dos tribunais e para fornecer um tratamento comum de recursos contra as decisões dos tribunais inferiores, sendo considerado um tribunal de recurso o que lhe dá um estatuto equivalente ao High Court (os seus precedentes são vinculativos). É constituído por quatro câmaras: a Administrative Appeals Chamber, a Tax and Chancery Chamber, a Lands Chamber e a Immigration and Asylium Chamber. Estas julgam as decisões das câmaras do First-Tier Tribunal que foram alvo de recurso e, das suas próprias decisões pode haver recuso para o Court of Appeal.


3) Organização dos Tribunais

Existem na Inglaterra dois tipos de tribunais: os superiores e os inferiores. Quanto aos tribunais superiores, hoje o que se encontra no topo da hierarquia é o Supreme Court of the United Kingdom (que substituiu a Câmara dos Lordes) e cujo precedente é vinculativo para todos os outros tribunais mas não para ele. Este tribunal foi criado pelo Constitucional Reform Act 2005 e iniciou as suas funções em 2009. É constituído por 12 juízes, sendo que só pode haver recurso a este tribunal se o tribunal inferior (na hierarquia) que julgou o caso estiver no Role of The Supreme Court. Caso não esteja o particular não pode a este recorrer.
Ainda fazem parte dos tribunais superiores o Court of Appeal of England and Walles (que compreende uma Divisão Civil e uma Divisão Criminal) e é constituído por 37 juizes. Os seus precedentes são vinculativos para o High Court, Crown Court e County Courts. Os dois primeiros são tribunais superiores; o High Court possui três divisões: Queen’s Bench Division que tem competência em matéria civil, o Chancery Division e o Family Division. Já o Crown Court é competente em matéria penal. Os precedentes destes tribunais são vinculativos para os tribunais inferiores.
Dos tribunais inferiores fazem parte o County Court e o Magistrates´ Court. Os primeiros são competentes em matéria civil de pequeno valor e os segundos têm competência em matéria penal para pequenos delitos. Das decisões do Magistrates´ Court cabe recurso para o Crown Court.
Com esta hierarquia é possível verificar que os administrative tribunals não são considerados tribunais comuns. Passaram a existir pertencendo a um sistema criado em 2007 (sendo por isso relativamente recente) de tribunais que não são comuns mas possuem uma hierarquia própria e que são controlados pelo Conselho de Administração da Justiça e Tribunais. Contudo o Direito aplicado nesses tribunais é Direito Privado sendo os litígios entre particulares e Administração Pública regulados por esse mesmo Direito.

Em conclusão…

As diferenças históricas a nível de formação do Direito contribuíram para a distinção entre o sistema de Direito Administrativo Inglês e Português. Uma das diferenças relevantes, deveu-se ao facto de o Direito Romano não ter influenciado o sistema do common law tão nitidamente como o romano – germânico, de forma que em Inglaterra não existia distinção entre o Direito Público e o Direito Privado.
 Contudo, coloca-se a questão de saber se não poderá ser considerada a existência de um direito público, uma vez que existem tribunais que regulam questões administrativas aplicando precedentes administrativos e leis administrativas. O Direito Administrativo seria assim um Direito Público uma vez que se tem em vista a prossecução do interesse público, começando a Administração a surgir com alguma autoridade e estando sujeita aos Tribunais, embora agora esteja sujeita ao Administrative Court que fiscaliza os inferiror courts e os tribunals (a partir da judicial review - procedimento no direito administrativo Inglês pelo qual os tribunais de Inglaterra fiscalizam o exercício do poder público sobre uma acção contra um indivíduo). A fiscalização exercida cobre pessoas singulares ou colectivas públicas que exerçam funções de direito público. Este é ainda um aspecto em evolução, devido à existência de um common law que é aplicado a todos, mas que com a distinção entre tribunais administrativos e judiciais pode evoluir no sentido de se verificar uma distinção entre Direito Publico e Direito Privado.
 O Direito Administrativo na ordem jurídica portuguesa é um ramo de direito público, isto porque as normas de direito publico são estabelecidas tendo em vista a prossecução do interesse colectivo, e destinam-se a permitir que esse interesse seja realizado; os sujeitos de direito que compõem a Administração são sujeitos de direito público, nomeadamente entidades públicas ou pessoas colectivas públicas; e a actuação da Administração que o Direito Administrativo regula é aquela em que a Administração surge investida de poderes de autoridade.
Surgiram no século XX os administrative tribunals em Inglaterra que não eram verdadeiros tribunais mas órgãos administrativos independentes, criados junto da administração central, para decidir questões de direito administrativo que a lei mandava resolver por critérios de legalidade estrita (exemplo das pensões sociais) e, portanto, fazendo preceder a decisão de um due process law e com recurso para os tribunais comuns. Estes tribunais, como analisado anteriormente sofreram uma unificação de tornou o sistema inglês muito semelhante ao português (no que ao direito administrativo diz respeito e por existir um Conselho que regula o seu funcionamento e organização, uma vez que em Portugal existe o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que é o órgão de gestão e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal), com a excepção de estes serem controlados pelos tribunais comuns (pois os recursos às decisões do Uper-Tribunal seguem para os tribunais comuns),
 Em Portugal os tribunais são independentes sendo o Supremo Tribunal Administrativo a instância superior uma vez que se distingue a ordem jurisdicional da administrativa. Vigorou, durante o séc. XIX e o primeiro quartel do séc. XX, o sistema do administrador-juiz, com algumas interferências dos Tribunais Judiciais. Contudo em 1930 foi adoptado o sistema dos Tribunais Administrativos.
Uma das diferenças relevantes entre os tribunais administrativos ingleses e portugueses, é a vinculação dos primeiros a precedentes, pelo que em Inglaterra os casos são resolvidos através da jurisprudência, sendo em Portugal a lei a fonte principal de resolução de litígios (a extracção de normas aplicáveis ao caso concreto e não a aplicação analógica de decisões anteriores por existirem factos semelhantes).
Existe hoje, com a reforma dos tribunais na Inglaterra, uma maior preocupação por parte deste país em assegurar aos cidadãos uma melhor justiça, sendo mais rápidas as decisões por parte dos tribunais e menos morosos os processos. Assegura de melhor forma as necessidades dos cidadãos e os seus direitos, uma vez que decidido o caso, pode haver recurso para tribunais superiores, dependendo da matéria administrativa de que se trata, e, em último caso, pode existir recuso para os Tribunais Comuns Superiores (existe uma dupla garantia uma vez que estão ainda sujeitos às decisões dos Tribunais Superiores). Em Portugal as questões administrativas são decididas pelos Tribunais Administrativos sendo que o Supremo Tribunal Administrativo decide em última instância.
     
Na situação actual é de considerar a aproximação dos dois sistemas, que prosseguem as mesmas ideias de formas diferentes, tendo em conta que a formação Direito foi, também ela, desigual. 

Márcia Farias nº 19719

Fontes: ALDER, JOHN – Constitutional and Administrative law, 2005; AMARAL, DIOGO FREITAS – Curso de Direito Administrativo volume I, 3ª Edição, Edições Almedina, 2006; AMARAL, DIOGO FREITAS – Curso de Direito Administrativo volume II, 2ª Reimpressão, Edições Almedina, 2001 ; MIRANDA, JORGE Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 8ª Edição, Coimbra Editora, 2009;  OTERO, PAULO – Instituições Politicas e Constitucionais, Volume I, Edições Almedina 2007;  OTERO, PAULO – Direito Constitucional Português, Volume II, Edições Almedina 2010; VICENTE, DÁRIO MOURA – Direito Comparado, Volume I, Edições Almedina, 2008

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