quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Breves Notas Sobre o Acto Administrativo Inimpugnável de que Resultem Direitos para Particulares e a que a Administração Não Dê a Devida Execução como Título Executivo Extrajudicial no Contencioso Administrativo: Análise do art. 157.º CPTA


Introdução

A acção executiva não se cinge só ao direito processual civil. As decisões dos tribunais administrativos também carecem de execução forçada quando não cumpridas pela Administração, e a necessidade de uma tutela jurisdicional efectiva dos particulares assim o exige. Assim, o Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA e sem referência) regula a matéria dos processos executivos nos arts. 157.º a 179.º do mesmo Código, sendo que, como bem diz AROSO DE ALMEIDA[1], o CPTA só regula as execuções promovidas contra entidades públicas, sendo que a execução das sentenças promovidas por tribunais administrativos e contra particulares, apesar de correr no Tribunal Administrativo, segue os trâmites gerais do direito processual civil (art. 157.º, nº 2 CPTA)[2].

Com este pequeno texto procurarei analisar as especificidades dos títulos executivos, em especial os extrajuridicais, no Contencioso Administrativo e tentarei descobrir os fundamentos subjacentes a essas especificidades são os mesmos que subjazem à existência de um regime especial daquilo que eu chamarei ‘processo executivo administrativo’.

Os Títulos Executivos No Processo Executivo Administrativo

O preceito que nos permite identificar os títulos executivos no âmbito do CPTA é o art. 157.º, do qual resulta que podem servir de base a um processo executivo a intentar nos tribunais administrativos as sentenças proferidas por esses tribunais (art. 157.º, nº 1 e 2), os actos administrativos inimpugnáveis de que resultem direitos para particulares a que a Administração não dê a devida execução (art. 157.º, nº 3 e 4), entre os demais admitidos pela lei geral (art. 157.º, nº 3 CPTA remete para art. 45.º do Código de Processo Civil, adiante, CPC).

Mas deste leque de títulos executivos o que parece mais invulgar é sem dúvida o do ‘acto administrativo inimpugnável de que resultem direitos para os particulares que a Administração não execute’.

Analisados os títulos executivos no âmbito do processo executivo administrativo, cabe agora esclarecer este invulgar título executivo referido pelo art. 157.º, nº 3 e 4.

O Execução de Acto Administrativo Inimpugnável de que Resultem Direitos para Particulares e a que a Administração Não Dê a Devida Execução

Para CECÍLIA ANACORETA CORREIA[3], o acto administrativo inimpugnável de que resultem direitos para particulares e a que a Administração não dê devida execução são títulos executivos extrajudiciais’ nos quais se pode basear um processo de execução judicial dirigido contra a própria entidade Administrativa que os emitiu ou que se encontre obrigada a dar-lhes execução. Assim, diz a autora, o acto administrativo constitui título executivo relativamente às obrigações que titule como certas, líquidas e determinadas (cfr. 808.º CPC). A consagração deste tipos de actos como títulos executivos, como relata HÜTTENBRINK, não é feita pelo § 168 do Verwaltungsgerichtsordnung (VwGO) na Alemanha, que só refere decisões, transações (e outros negócios jurídicos processuais), condenação em custas e sentenças arbitrais como títulos executivos administrativos[4]. PERÉZ DEL BLANCO relata as regras do art. 103º e 108º da Ley de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa espanhola, parecendo dizer que não são admitidos títulos executivos baseados em actos administrativos no geral, falando somente de execução baseada em incumprimento de sentença[5]. Quanto ao Direito francês, nenhuma referência a títulos executivos foi encontrada.

Assim, a solução portuguesa afigura-se inovadora. 

Como diz AROSO DE ALMEIDA, o art. 157.º, nº 4 permite que a devida execução se trate de uma ‘execução jurídica’[6], i.e., que se consubstancie na emissão de actos jurídicos de execução de carácter vinculado, como os alvarás, hipótese na qual o tribunal pode substituir-se à entidade obrigada, emitindo decisão que também produza os efeitos do acto ilegalmente recusado ou omitido.

Contudo, não haverá problemas em fazer uma execução material, pois, diz o autor, o nº 4 é meramente exemplificativo: um bom exemplo será o do acto administrativo que ordenou a demolição de uma construção ilegal, mas não foi alvo de execução material[7].
Esta opinião acima exposta é corroborada por ANACORETA CORREIA[8], que vem dizer que os deveres exequendos emergentes do acto administrativo tanto podem consistir na emissão de actos jurídicos – execução jurídica – como na realização de meras actuações administrativas materiais – execução material.
Embora o art. 157.º, nº 4 refira exclusivamente ‘actos administrativos constitutivos de direitos’ pode-se[9] reconhecer igualmente que os actos constitutivos de interesses na esfera jurídica de terceiros podem, igualmente, constituir títulos executivos. (Ex: Administração não executa acto de demolição de casa não acatada pelo destinatário.)
Reside ainda outro problema no  nº 4 do art. 157.º: ele faz uma ressalva de lei especial, que tem em vista a existência de processos especiais de intimação relativos à emissão de certos tipos de alvarás, em que já se estabelece que a sentença substitui o alvará recusado ou omitido na produção dos respectivos efeitos jurídicos (v. art. 113.º, nº 7, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro). Naturalmente que o nº 4 só intervirá quando não houver um regime especial como este, pelo que ele assumirá uma natureza ou pouco mais residual.
Há aqui que referir outra possibilidade: parece que o recurso ao título executivo extrajudicial que tem vindo a ser analisado pode abrir uma possibilidade interessante: como se sabe, nos termos do art. 69.º/1 do CPTA, o direito de acção relativo à condenação de prática de acto administrativo resultante de inércia da Administração caduca no prazo de um ano. Dito isto, e depois de analisado o regime do art. 157.º nº 3 e 4, parece-me que estes últimos abrem a possibilidade de contornar este prazo, obtendo praticamente os mesmos efeitos. Isto acontecerá, naturalmente, no âmbito do acto administrativo inimpugnável de que resultem direitos para particulares e a que a Administração não dê devida execução, assim tendo o particular mais uma via de reacção contra a inércia da Administração.

Conclusão
Como diz ANACORETA CORREIA, o reconhecimento de executoriedade judicial aos actos administrativos contra a Administração constitui um ‘passo muito significativo na tutela das pretensões jurídicas dos particulares que resultam de actos administrativos válidos’[10], relativamente ao qual o nosso antigo sistema jurídico não oferecia qualquer tipo de garantia subjectiva executiva[11].

O conceito de executoriedade aplicado em relação à Administração surge consagrado no nosso ordenamento jurídico no art. 157.º, nº 3 CPTA, tornando possível a interposição de um processo de execução judicial dirigido contra a Administração para realização efectiva do conteúdo normativo de um acto administrativo: apesar de Administração ser aplicadora mais ou menos autoritária de direito ela não se pode subtrair ao cumprimento das suas obrigações – ao privilégio da execução prévia e de definição unilateral do Direito, ‘a reforma do contencioso administrativo contrapõe agora a possibilidade de acesso à tutela jurisdicional efectiva’, reforçando processualmente as posições jurídicas dos particulares. ANACORETA CORREIA conclui dizendo que ‘as alterações introduzidas no processo executivo pelo CPTA alteram de ‘modo incontornável’ o posicionamento da Administração face aos particulares.[12]

Qual o fundamento? O acto administrativo, desde o momento em que se considera eficaz goza de uma presunção de legalidade tão intensa que a a Lei atribui à Administração o poder de iniciar os procedimentos administrativos de execução coactiva contra os particulares de acto administrativo eficaz sem necessidade de acesso aos tribunais (art. 149.º, nº 1). Assim, fará sentido que, através desta consagração da força executiva de actos administrativos inimpugnáveis, o particular também possa intervir, assegurando o cumprimento das obrigações às quais a Administração está adstrita.



[1] AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012, p. 500
[2] Cfr. Também VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 374
[3] ANACORETA CORREIRA, Cecília, A Tutela Executiva no Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, FDUL, 2004, p. 246
[4] KUHLA, Wolfgang, HÜTTENBRINK, Jost, ENDLER, Jan, Der Verwaltungsprozess, 3ª Edição, Beck, Munique, 2002, pp 503 ss
[5] PERÉZ BLANCO, Gilberto, Ejecución forzosa de sentencias en el orden jurisdiccional contencioso-administrativo, Del Blanco, Editores, Madrid, 2003, pp 83-84
[6] AROSO DE ALMEIDA, op. cit., p. 502
[7] AROSO DE ALMEIDA, op. cit., p. 503
[8] ANACORETA CORREIA, op. cit., pp. 247-248
[9] ANACORETA CORREIA, op. cit., p. 250
[10] ANACORETA CORREIA, op. cit., pp 251 ss
[11] para uma descrição suscinta do anterior regime, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 168-172
[12] ANACORETA CORREIA, op. cit., p. 253

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