sábado, 15 de dezembro de 2012

Os critérios de decisão das Providências cautelares no divã do STA


O direito a uma tutela judicial efetiva para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos vem consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, mediante a adoção de medidas cautelares adequadas.
Conferindo desenvolvimento ao preceito constitucional, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos regula os processos cautelares nos termos dos artigos 112.º e seguintes.

Antes, logo na sua parte introdutória, o artigo 2.º do CPTA vem assegurar o direito à obtenção das providências cautelares indispensáveis e adequadas a assegurar o efeito útil das decisões que vierem a ser proferidas pelos tribunais administrativos.

O artigo 113.º, n.º 2 refere que o processo cautelar é um processo urgente e tem uma tramitação autónoma face ao processo principal, sendo apensado a este.

As providências cautelares, que podem ser antecipatórias ou conservatórias, destinam-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. Conforme  preconiza o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão relativo ao Proc.º 0539/12, visam impedir que aquela sentença fique desprovida do seu poder regulador em virtude da alteração substancial da realidade de facto, entretanto ocorrida.

Neste sentido, Vieira de Andrade - in Justiça Adminitrativa (Lições), 11.º edição – afirma que “os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer justiça”.

A título exemplificativo, o CPTA prevê que as providências cautelares possam consistir designadamente na suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma norma; na admissão provisória em concursos e exames; na atribuição provisória da disponibilidade de um bem; na autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta; na regulação provisória de uma situação jurídica; na intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por parte da administração ou de um particular, por alegada violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo.

As providências cautelares caracterizam-se:
- pela sua provisoriedade, pois só vigoram enquanto o processo principal não for julgado;
- pela sua instrumentalidade, pois asseguram que a decisão a proferir possa ter utilidade;
- pela sua precariedade, pois os juízos que o Tribunal aí faz são sumários, susceptíveis de virem a ser alterados.

Quanto aos critérios que poderão determinar a adopção de uma providência cautelar encontram-se fixados no artigo 120.º do CPTA.

Desde logo, quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. Vieira de Andrade (in obra referida) salienta que este é decisivo “por ser, em princípio, o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto”.

Carla Amado Gomes, citada por Catarina Moreno Pina (na Tese “Providências Cautelares a 120.º … mas com critérios: no âmbito do contencioso administrativo”, 2007) defende que nesta alínea está em causa em simultâneo “a salvaguarda do interesse público … e a tutela de interesses privados”.

No entanto, conforme tem sublinhado o Supremo Tribunal Administrativo, a evidência de que fala a alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º não deixa de ser uma evidência provisória, pois poderá ser sempre revista na acção principal em função dos novos elementos que aí se recolham ou até em função de uma reapreciação mais aprofundada e ponderada dos elementos já existentes – vide o Proc.º 0539/12, de 26-9-2012.

Um segundo critério é o estabelecido na alínea b), do mesmo número 1, ou seja, quando, no caso de providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente vise assegurar no processo principal (periculum in mora) e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni iuris).

Já na alínea c), prevendo-se o caso de providência antecipatória, quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal (periculum in mora) e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris).

No que respeita ao fumus boni iuris, este pode, assim, assumir uma formulação positiva (probabilidade de êxito do recurso principal) ou negativa (basta que o recurso principal não apareça desprovido de fundamento) – vide neste sentido o Acórdão STA relativo ao Processo n.º 0857/11, de 12-1-2012.

Neste contexto, Catarina Moreno Pina (in obra referida) afirma: “se por um lado o periculum in mora é a razão de ser da providência, o fumus boni iuris é o que confere «seriedade jurídica ao processo» (…) Ambos os requisitos têm de se verificar para a adopção da providência.”

Importa ainda ressalvar que, de acordo com o estatuído no n.º 2, do mesmo artigo, nas situações previstas nas alíneas b) e c) vindas de referir, a adopção de uma providência cautelar pode contudo ser recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

Encontra-se plasmado neste normativo o chamado princípio da proporcionalidade na decisão de concessão da providência. No dizer de Vieira de Andrade (in obra referida), “mesmo que se verifiquem os requisitos fundamentais – quer o periculum in mora, quer o fumus boni iuris (…) – o juiz deve recusar a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo resultante para o requerido (…) se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a providência”.

Também Mário Aroso de Almeida, citado por Catarina Moreno Pina (in obra referida), preconiza a este respeito: “A demonstração do periculum in mora e do fumus boni iuris coloca assim o requerente numa posição de partida favorável à obtenção da providência. O artigo 120.º , n.º 2, introduz, no entanto, uma cláusula de salvaguarda neste domínio, ao permitir que, no interesse dos demais envolvidos, a providência, ainda assim possa ser recusada quando, pese embora o preenchimento, em favor de requerente, dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, seja de entender que a concessão da providência provocaria danos (ao interesse público e de eventuais terceiros) desproporcionados em relação àqueles que pretenderia evitar que fossem causados (aos interesses do requerente da providência).”

Assim, como foi decidido no Acórdão STA relativo ao Processo n.º 0239/12, de 11-4-2012, quando o interesse público sobreleva o interesse privado da requerente, resolve-se a ponderação de interesses com o indeferimento da providência.

 Isto é, a verificação dos três requisitos periculum in mora, fumus boni iuris e ponderação de interesses, tem que ser cumulativa, conforme se preconiza no já citado Acórdão STA – Proc.º 0857/11, de 12-1-2012.

  Marta Pratas, nº18296

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