A intimação para protecção
de direitos, liberdades e garantias, prevista nos artigos 109.º a 111.º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), constitui uma forma de
processo especial urgente.
Esta forma de processo
pode ser utilizada para defesa de todo o tipo de direitos, liberdades e
garantias, apresentando, por isso, um âmbito mais vasto do que o artigo 20.º/5
da Constituição da República Portuguesa (CRP) que trata apenas de direitos,
liberdades e garantias pessoais. Coloca-se a questão de saber se estão
incluídos os direitos análogos: tem-se entendido que sim, pois, apesar de não se
conseguir identificar com precisão quais são esses direitos análogos, o regime
dos direitos, liberdades e garantias constitucional, aplica-se também aos
direitos fundamentais de natureza análoga (artigo 17.º CRP)[1].
Parece que também a jurisprudência tem entendido com alguma abertura a
delimitação das situações jurídicas subjectivas que constituem direitos,
liberdades e garantias.
Para além de estar em causa um
direito, liberdade ou garantia, é ainda necessário que se trate de uma situação
com carácter de urgência. Então, qual a diferença entre a intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias e as providências cautelares que
também visam esta matéria? Estas últimas também têm carácter urgente e podem
visar a protecção de direitos, liberdades e garantias (artigo 131.º CPTA),
logo, temos pelo menos duas maneiras de resolver o problema. Contudo, não é
assim: a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio
principal, decide a título definitivo. Por sua vez, as providências cautelares são
instrumentais/acessórias do processo principal, são provisórias. Este processo
declarativo urgente de intimação intervém para suprir as insuficiências da
tutela cautelar, na medida em que esta visa assegurar a utilidade dos processos
declarativos[2]. Neste caso,
o critério decisivo não é a urgência, mas a irreversibilidade: dado que a
providência cautelar é provisória e o processo principal é definitivo, se o
direito em causa se bastar com uma protecção provisória (ou seja, é
reversível), então o processo principal é desnecessário. Deste modo, a
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é subsidiária face
à tutela cautelar (e não face ao artigo 131.º CPTA como parece dizer o
preceito, pois a remissão do artigo 109.º/1 CPTA para o artigo 131.º CPTA parte
do erro de que o artigo 131.º CPTA é uma providência cautelar especificada para
a tutela de direitos, liberdades e garantias. Ora, não é assim: o artigo 131.º
CPTA também pode ser utilizado quando haja especial urgência, mesmo que não esteja
em causa um direito, liberdade ou garantia).
O exemplo paradigmático desta
intimação é o direito à manifestação (bem como, por exemplo, o tempo de antena
durante o período eleitoral): o decretamento de uma providência cautelar num
caso de proibição ilegal de realização de uma manifestação por ocasião, por
exemplo, da deslocação a Portugal de uma personalidade estrangeira[3],
não faz sentido, porque, concedendo-se essa providência cautelar, a
consequência seria a suspensão da eficácia do acto administrativo que impunha a
proibição, sendo que a manifestação se iria realizar apenas provisoriamente. Caso
a manifestação fosse permitida por via da tutela cautelar, o processo principal
tornar-se-ia inútil; bem como qualquer decisão que o juiz tomasse tornar-se-ia
irreversível: a manifestação é para aquele momento certo, não para outro.
Este processo de intimação tanto
pode ser intentado contra a Administração (artigo 109.º/1 CPTA), como contra
particulares (artigo 109.º/2 CPTA). O seu campo de aplicação tanto pode
sobrepor-se ao da acção administrativa comum, como ao da acção administrativa
especial (neste último caso, Mário Aroso de Almeida considera que o campo de
aplicação da intimação compreende não só as situações em que a tutela do direito
se dirige à emissão de um acto administrativo, mas também as situações em que
ela se substitui a uma acção de impugnação de acto administrativo ou norma
regulamentar).
Na prática, tem-se colocado a questão
de saber se, quando não esteja preenchido o requisito da parte final do artigo
109.º/1 CPTA, o processo de intimação pode ser convolado num processo cautelar.
No sentido da convolação podemos indicar autores como Carla Amado Gomes ou
Vieira de Andrade[4]. Mário
Aroso de Almeida considera que, nesse caso, o juiz deve proceder de imediato ao
decretamento provisório da providência cautelar adequada, convidando o
interessado a apresentar o requerimento respectivo.
Por fim, cabe referir que segundo
José Lebre de Freitas não é conveniente “abusar” dos processos urgentes, visto
que a sua celeridade, normalmente, é obtida através do sacrifício de outros
valores[5].
Os processos não urgentes devem prevalecer, devendo ser reservados os processos
urgentes para situações de verdadeira urgência.
[1] Vide Carla Amado Gomes, “Pretexto,
contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias”; Fernanda Maçãs, “As formas de tutela urgente previstas no Código de
Processo nos Tribunais Administrativos”
[2] Vide Mário Aroso de Almeida, “Manual de
Processo Administrativo”
[3] Vide Mário Aroso de Almeida, “Manual de
Processo Administrativo”
[4] Vide Carla Amado Gomes, “Pretexto,
contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias” e Vieira de Andrade, “justiça Administrativa”
[5] Vide José Lebre de Freitas, “Introdução
ao Processo Civil”
Raquel Fanha, nº 19825
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