segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Breve referência à Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias


A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, prevista nos artigos 109.º a 111.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), constitui uma forma de processo especial urgente.

Esta forma de processo pode ser utilizada para defesa de todo o tipo de direitos, liberdades e garantias, apresentando, por isso, um âmbito mais vasto do que o artigo 20.º/5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que trata apenas de direitos, liberdades e garantias pessoais. Coloca-se a questão de saber se estão incluídos os direitos análogos: tem-se entendido que sim, pois, apesar de não se conseguir identificar com precisão quais são esses direitos análogos, o regime dos direitos, liberdades e garantias constitucional, aplica-se também aos direitos fundamentais de natureza análoga (artigo 17.º CRP)[1]. Parece que também a jurisprudência tem entendido com alguma abertura a delimitação das situações jurídicas subjectivas que constituem direitos, liberdades e garantias.

Para além de estar em causa um direito, liberdade ou garantia, é ainda necessário que se trate de uma situação com carácter de urgência. Então, qual a diferença entre a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias e as providências cautelares que também visam esta matéria? Estas últimas também têm carácter urgente e podem visar a protecção de direitos, liberdades e garantias (artigo 131.º CPTA), logo, temos pelo menos duas maneiras de resolver o problema. Contudo, não é assim: a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio principal, decide a título definitivo. Por sua vez, as providências cautelares são instrumentais/acessórias do processo principal, são provisórias. Este processo declarativo urgente de intimação intervém para suprir as insuficiências da tutela cautelar, na medida em que esta visa assegurar a utilidade dos processos declarativos[2]. Neste caso, o critério decisivo não é a urgência, mas a irreversibilidade: dado que a providência cautelar é provisória e o processo principal é definitivo, se o direito em causa se bastar com uma protecção provisória (ou seja, é reversível), então o processo principal é desnecessário. Deste modo, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é subsidiária face à tutela cautelar (e não face ao artigo 131.º CPTA como parece dizer o preceito, pois a remissão do artigo 109.º/1 CPTA para o artigo 131.º CPTA parte do erro de que o artigo 131.º CPTA é uma providência cautelar especificada para a tutela de direitos, liberdades e garantias. Ora, não é assim: o artigo 131.º CPTA também pode ser utilizado quando haja especial urgência, mesmo que não esteja em causa um direito, liberdade ou garantia).

O exemplo paradigmático desta intimação é o direito à manifestação (bem como, por exemplo, o tempo de antena durante o período eleitoral): o decretamento de uma providência cautelar num caso de proibição ilegal de realização de uma manifestação por ocasião, por exemplo, da deslocação a Portugal de uma personalidade estrangeira[3], não faz sentido, porque, concedendo-se essa providência cautelar, a consequência seria a suspensão da eficácia do acto administrativo que impunha a proibição, sendo que a manifestação se iria realizar apenas provisoriamente. Caso a manifestação fosse permitida por via da tutela cautelar, o processo principal tornar-se-ia inútil; bem como qualquer decisão que o juiz tomasse tornar-se-ia irreversível: a manifestação é para aquele momento certo, não para outro.

Este processo de intimação tanto pode ser intentado contra a Administração (artigo 109.º/1 CPTA), como contra particulares (artigo 109.º/2 CPTA). O seu campo de aplicação tanto pode sobrepor-se ao da acção administrativa comum, como ao da acção administrativa especial (neste último caso, Mário Aroso de Almeida considera que o campo de aplicação da intimação compreende não só as situações em que a tutela do direito se dirige à emissão de um acto administrativo, mas também as situações em que ela se substitui a uma acção de impugnação de acto administrativo ou norma regulamentar).

Na prática, tem-se colocado a questão de saber se, quando não esteja preenchido o requisito da parte final do artigo 109.º/1 CPTA, o processo de intimação pode ser convolado num processo cautelar. No sentido da convolação podemos indicar autores como Carla Amado Gomes ou Vieira de Andrade[4]. Mário Aroso de Almeida considera que, nesse caso, o juiz deve proceder de imediato ao decretamento provisório da providência cautelar adequada, convidando o interessado a apresentar o requerimento respectivo.

Por fim, cabe referir que segundo José Lebre de Freitas não é conveniente “abusar” dos processos urgentes, visto que a sua celeridade, normalmente, é obtida através do sacrifício de outros valores[5]. Os processos não urgentes devem prevalecer, devendo ser reservados os processos urgentes para situações de verdadeira urgência.    

  



[1] Vide Carla Amado Gomes, “Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”; Fernanda Maçãs, “As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”
[2] Vide Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”
[3] Vide Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”
[4] Vide Carla Amado Gomes, “Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” e Vieira de Andrade, “justiça Administrativa”
[5] Vide José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”
  
                                                                                                                     Raquel Fanha, nº 19825

Sem comentários:

Enviar um comentário