segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Impugnabilidade dos actos praticados ao abrigo do art. 128.º, n.º2, do CPTA e inconstitucionalidade da norma habilitante


Impugnabilidade dos actos praticados ao abrigo do art. 128.º, n.º2, do CPTA e inconstitucionalidade da norma habilitante


A questão consiste na admissibilidade, em termos processuais, do destinatário de actos praticados pelas autoridades administrativas, em ordem a dar cumprimento ao dever que lhes toca por força do disposto no art. 128.º, n. 2º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), proceda à respectiva impugnação jurisdicional autónoma juntos dos tribunais administrativos.

De acordo com o art. 128.º, n.º 2, do CPTA, “quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”.

O n.º 2 do mesmo preceito legal, vai acrescentar que, “sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a autoridade que receba o duplicado impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do acto”.

Ou seja, de acordo com o que se encontra previsto nos n.ºs 1 e 2 do art. 128.º do CPTA, as autoridades administrativas requeridas no contexto de providências cautelares de suspensão da eficácia de actos administrativos encontram-se dependentes do cumprimento de um duplo dever: por um lado, ficam proibidas, por si próprias, de iniciar ou prosseguir com a execução do acto suspendendo; por outro lado, ficam incumbidas de impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados o façam ou, de harmonia com a letra da lei, procedam ou continuem a proceder à execução do acto.

O que está em causa é a adopção – sem que tenha havido qualquer prévia resolução fundamentada – de “operações de execução” de um acto administrativo (cuja suspensão de eficácia foi requerida) por parte do respectivo destinatário: podemos ter como exemplos, a construção de uma casa ao abrigo de uma licença urbanística; exercício de profissão após inscrição na respectiva ordem profissional ou de uma certa actividade comercial após a obtenção da licença de exploração; montagem de estrutura ao abrigo de licença de utilização privativa de domínio público; destruição de árvores na sequência de autorização de corte ou arranque.

Vamos supor então que um terceiro em relação a qualquer um desses actos (vizinho, associação ambiental, concorrente, Ministério Público, actor popular) requer a suspensão da respectiva eficácia e que a autoridade competente – por sua iniciativa espontânea ou após determinação judicial – notifica o destinatário do acto, a determinar-lhe o cumprimento do dever previsto no art. 128.º, n.º 2 do CPTA, emitindo, v.g., uma ordem de embargo da obra, uma proibição do exercício da profissão ou uma proibição do abate de árvores, ou praticando acções materiais que tenham implicitamente uma ordem desse tipo.

Estamos aqui perante “segundos actos”, que se revelam “contrários” a actos anteriores da mesma autoridade administrativa.

Estes “segundos actos” (praticados ao abrigo do art. 128.º, n.º 2, do CPTA), devem ser perspectivados como actos administrativos em sentido estrito, autonomamente lesivos da esfera jurídica dos respectivos destinatários.

Concorrem neles todas as características que a doutrina individualiza como elementos estruturalmente constitutivos desta forma de actuação da Administração.

Usando as palavras de Rogério Soares, estamos perante uma “estatuição autoritária, praticada por um sujeito de direito administrativo no uso de poderes jurídico-administrativos, relativa a um caso concreto e destinada a produzir efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos”.

Ora, a decisão de uma autoridade administrativa que vai impedir o beneficiário de uma concessão, licença ou autorização de desenvolver a actividade concedida, licenciada ou autorizada corresponde, evidentemente, a um acto administrativo desfavorável com carácter impositivo (proibição ou ordem) cujos efeitos se irão repercutir na esfera jurídica do beneficiário daqueles “primeiros actos”.

Esses “segundos actos”, na prática, servem para suspender a eficácia dos “primeiros actos”. Por força dos mesmos, o destinatário vê-se privado do direito de beneficiar da eficácia jurídica favorável dos “primeiros actos” (licença, concessão, autorização, inscrição, etc.). Os “segundos actos” têm a intenção deliberada de interferirem na situação jurídica criada pelos “primeiros”.

Cumpre acrescentar, de forma a sublinhar a natureza vinculada do acto praticado ao abrigo do art. 128.º, n.º 2, do CPTA, algo de que a lei é bastante esclarecedora: “deve a autoridade...impedir (...)”. Se nada fizer, ou seja, se estivermos perante uma inacção, corresponde, neste caso, ao incumprimento de um dever legal. O acto a praticar consiste num acto administrativo legalmente devido de conteúdo vinculado, a lei além de impor à autoridade a adopção de um acto administrativo, vai indicar ainda o conteúdo que esse acto deve assumir: “impedir que os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do (primeiro) acto”.

Agora em relação à inconstitucionalidade, enquanto actos administrativos, os actos que as autoridades competentes praticam ao abrigo do art. 128.º, n.º 2, do CPTA, são impugnáveis nos tribunais de jurisdição administrativa.

Os actos praticados ao abrigo daquela disposição, parecem padecer de um vínculo substancial concretizado na falta de base legal. A referida disposição seria então inconstitucional, por violação do disposto nos art. 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

O princípio da tutela jurisdicional efectiva, implica que todo o processo deva estar informado pelo “princípio da equitatividade”. Trata-se pois de uma exigência que tem por destinatário directo o legislador e que significa, basicamente, que o processo deve ser estruturado em termos substantivamente justos, ou seja, o “postulado do processo equitativo impõe a conformação de processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva (Gomes Canotilho / Vital Moreira) “.

O legislador optou, deliberadamente, por atribuir, prevalência aos interesses dos requerentes por relação aos dos contra-interessados, estamos então perante um claro tratamento discriminatório e de favor, temos uma discriminação injustificada e arbitrária da posição dos requerentes em relação à dos contra-interessados, sem que estes tenham, sequer, o direito de ser ouvidos ou de exercer o contraditório, expondo, designadamente, as suas razões de facto e de direito sobre a solução a perfilhar pelo juiz em cada situação.

Em termos práticos, estamos perante um cenário em que um qualquer particular obtém, a seu pedido, uma concessão, uma licença ou uma autorização ou um outro acto que o investe no poder de desenvolver uma determinada actividade. Este mesmo particular prepara-se para começar ou começa mesmo a desenvolver a actividade para que foi habilitado e, em determinado momento, vê ser pedida no tribunal a suspensão da eficácia do acto administrativo ao abrigo do qual ele vem exercendo a actividade. A autoridade administrativa requerida, vai acabar por proibir o particular de exercer ou de continuar a exercer a actividade que ela mesmo concedeu, licenciou ou autorizou.

Estamos então perante uma situação em que a lei confere aos requerentes de providências cautelares um certo poder soberano de veto sobre o exercício de actividades privadas devidamente concedidas, licenciadas ou autorizadas, ficando, por sua vez, os titulares das concessões, licenças ou autorizações inteiramente subjugados às investidas cautelares – ainda que dispondo de um título jurídico válido e eficaz.

Deve por isso, ser tida como uma norma materialmente inconstitucional por infracção do disposto nos arts. 20.º e 268.º da CRP (Gomes Canotilho / Vital Moreira inclinam-se neste sentido).  Daí terá de resultar a invalidade dos actos que tenham sido praticados ao seu abrigo, por falta de base legal.

Cumpre dizer, que procedi à realização deste texto com base no disposto no excelente artigo de Pedro Costa Gonçalves e Bernardo Azevedo sobre este tema, recomendando a todos vós, se tiverem tempo ou mesmo interesse, a leitura do mesmo para mais informações sobre o assunto.



                                                                                          João Folgado, 19675

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