sábado, 1 de dezembro de 2012

Ce serait vous, dit fermement le petit prince


Ce serait vous, dit fermement le petit prince        

     A acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, tal como resulta das alíneas do nº1 do artigo 67º CPTA, só se pode verificar em determina situações por ele previstas a que se vem chamando de pressupostos<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->. Atentando-se à alínea a) do referido preceito desvenda-se imediatamente a sua incidência quanto aos actos que consubstanciam uma omissão, quando derivem de uma inércia que contrarie um dever de decisão (art. 9º CPA). Como se sabe, para que haja lugar a um dever de decisão, é necessário um impulso do particular, e depois de uma não tomada de decisão tempestiva, estaria a administração numa situação de omissão e no consequente incumprimento do dever legal de decisão.
               Antigamente, i.e. antes da reforma de 2003, a figura do indeferimento tácito (art.109 CPA) era bastante para fazer face a esta situação, pelo que uma não tomada de decisão por parte da administração corresponderia a uma presunção de indeferimento, ou seja, à recusa da pretensão formulada pelo particular. Como se sabe, com a entrada em vigor do novo CPTA, esta nossa acção administrativa especial esvaziou o conteúdo desta figura, sendo muito pacífico na doutrina que o artigo 109º do CPTA está tacitamente derrogado<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->.
            Se sobre a figura do indeferimento tácito não vale a pena escrever nem mais uma linha, o mesmo não será verdade em relação às situações em que se prevê um deferimento tácito. A questão a sobre a qual nos vamos debruçar é precisamente a de saber se é ou não possível a utilização da acção de condenação à prática do acto administrativo legalmente devido nos casos em que a omissão em causa configura um deferimento tácito<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]-->. Tentando ingenuamente passar ao lado das discussões clássicas acerca da natureza jurídica desta figura, podemos dizer que ela não é mais do que uma presunção legal, em que o artigo 108º/1 CPA vem determinar, em caso de preenchimento de determinados pressupostos<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]-->, que se considere satisfeito determinado pedido formulado à administração.  
             Inicialmente, e tal como descreve VASCO PEREIRA DA SILVA<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]-->, somos confrontados com duas aproximações: ou rejeitamos a utilização da acção de condenação da pratica do acto devido omitido, pelo facto de o deferimento tácito ter criado uma presunção que preenche o lugar da omissão<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]-->; ou afastamos a concepção de que o deferimento tácito é apto à produção de um acto administrativo, e dessa forma encontramos uma omissão que nos permite recorrer à alínea a) do artigo 67º/1 CPTA. Vejamos mais de perto:
            A primeira posição, defendida por AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]-->, só vale, segundos os próprios, para os casos em que “(...) a simples inércia administrativa implica per si uma legitimação imediata que é dada ao requerente para agir.” Admitindo que quando tal não aconteça e, por isso, o acto decorrente desta presunção legal, obriga ainda a uma posterior intervenção da administração, é possível então formular um pedido para condenar a administração ao cumprimento dos deveres decorrentes do deferimento tácito de efeito limitado, deveres esses que foram ...omitidos. Não há, portanto, nenhum dogma do contencioso administrativo que lhes impossibilite a aplicação do artigo 67º/1, a). E pur si muove.
           Na mesma linha, VIERA DE ANDRADE<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]-->, vem interpretar o artigo acabado de referir, como aplicável à “(...)omissão da prática do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão, desde que a lei não ligue a essa inércia administrativa outras consequências.”, pelo que quando o silêncio da administração tenha correspondência  com figura do deferimento tácito, não estaríamos perante qualquer incumprimento do dever de decisão.
Para todos os efeitos, apesar de nos termos tentado abstrair da discussão que envolve saber quais as consequências do deferimento tácito, entendemos, modestamente, que este corresponde a uma omissão; pelo que caberia sempre na letra  do artigo 67º/1, a): “não tenha sido proferida decisão” porque em verdade não se decidiu coisa nenhuma nos termos exigidos pelo normal procedimento legalmente previsto para a formação  do acto administrativo, e como tal, aceitar a sua produção, vai redundar num desrespeito pelo princípio da legalidade. <!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]-->
Ainda assim, se se entender que (bem ou mal) que o deferimento tácito produz um acto administrativo, não se levanta nenhuma barreira à condenação da administração à prática do acto devido nas restantes situações enquadráveis no referido artigo 67º<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--><!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]-->: Aquelas em o acto de sentido positivo abrange apenas parcialmente as pretensão do particular, deixando o “remanescente” como mote para a interposição da acção; também quando está em causa uma relação jurídica multilateral, em que o que é favorável para um sujeito, poderá surgir como desfavorável para os restantes; e ainda as hipóteses em que a administração mantenha o seu poder dispositivo, mesmo depois de uma eventual acção administrativa comum, de reconhecimento da titularidade do bem jurídico obtido por via do deferimento tácito, em que venha a posteriori a proferir um acto expresso de indeferimento: aí estaremos já no limbo entre uma acção de impugnação do acto de indeferimento e a acção de condenação à pratica do acto administrativo legalmente devido.

                                                                                           
                                                                                           Miguel Herdade
                                                                                                   (19780)
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<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->- Mais rigorasamente constituem situações de admissibilidade
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->- Cfr. MARIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, p.204 e ss., 4ª ed., 2005; Mesmo antes deste entendimento de derrogação, havia já quem considerasse os indeferimentos tácitos ilegais por vicio de forma derivado de falta de fundamentação, pelo menos: MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, p. 494, 1980; e aparentemente JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, p. 85, 2ªed., 1982.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]-->- VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, p.396 e ss., 2ª ed. 2009
<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> Cfr. p. ex. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, p. 174.
<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--> VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. cit. p.398
<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--> MARIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime... cit.
<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> MARIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, p. 446, 3ª ed. 2010
<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, p. 233 e ss. 12ª ed., 2012
<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--> Ainda que de maneira sui generis, concordamos com VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. cit. p. 398 e DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., quanto ao facto de não haver lugar à produção de um verdadeiro acto administrativo.
<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--> CARLOS CADILHA, O silêncio administrativo, p. 27, apud, MARIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário.. ob. Cit. p 447;
<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--> VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. cit. p.400





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