segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Providências Cautelares - Uma viagem ao seu regime


As providências cautelares são uma via processual de tutela urgente, que asseguram a utilidade da lide.
Vêm em primeira linha evitar que a morosa actuação de um tribunal culmine na perda de interesse processual pela parte que realiza o pedido.
Sabendo hoje a sua imperiosa importância, por radicar no princípio da tutela jurisdicional efectiva dos particulares perante a Administração, plasmado nos artigos 268º/4 e 20º/4 da Constituição da República Portuguesa, desde 2007, a existência fraca (em número e funcionalidade) das providências cautelares nem sempre garantirem em pleno a protecção dos particulares através dos tribunais.
Antes da chegada do CPTA a matéria era regida pela LOSTA e RESTA[1], que no entanto apenas consagravam como providência cautelar única a “Suspensão de executoriedade do acto”. Esta era mais restrita que a providência cautelar da posterior LEPTA[2] de 1985, que consagrava a “suspensão da eficácia do acto”, uma vez que a primeira só se reportava a casos de susceptibilidade coerciva imediata por via administrativa. A LEPTA estende portanto os efeitos jurídicos de um acto até à sua totalidade. Esta era a única providência cautelar expressamente consagrada[3] e ainda assim inserida no capítulo dos “meios processuais acessórios” que compreendia outras figuras que nada tinham a ver com a supra referida pois, apesar de poderem ser acessórios, têm carácter definitivo (ao contrário das providências cautelares). O capítulo compreendia também a “intimação para um comportamento” que seria um meio cautelar, mas que apenas valia contra particulares. A suspensão de eficácia dos actos teria ainda alguns problemas: só se referia a actos de efeitos conservatórios (quanto ao conteúdo) e só se aplicava a actos administrativos de conteúdo positivo (quanto ao objecto) pois, entendia a doutrina e jurisprudência[4], levaria o tribunal a substituir-se à Administração (pondo em causa a separação de poderes). Contra, manifestava-se Cláudio Monteiro[5]. Tinha também problemas quanto ao seu critério de concessão (uma vez que não atendiam à probabilidade, mas à irreparabilidade do dano decorrente da execução do acto) e à falta de possibilidade da suspensão de eficácia das normas, deixando o particular desprotegido.
Pós revisão constitucional de 1997 a doutrina começa a mudar de posição e a exigir a aceitação de qualquer providência permitindo uma maior protecção do particular contra a Administração e tutelando os seus direitos ao máximo. A jurisprudência começa também a admitir, embora com pouca aplicação prática as providências cautelares inominadas. O actual CPTA, ao consagrar a condenação à prática de acto devido vem por termo à discussão, permitindo a suspensão de eficácia do acto negativo (pois a cada acção caberá a providência cautelar e idónea à eficácia da sentença final).
O processo cautelar tem características que o individualizam: instrumentalidade[6], sumaridade [7]e provisoriedade[8].
O legislador consagrou não só uma cláusula aberta no artigo 112º/1 CPTA (desde que não invada espaço de discricionariedade da Administração), como apresentou uma lista de providências cautelares antecipatórias (que obtêm o bem que o particular tenha direito ou que alterem o status quo existente) e conservatórias (mantêm o status quo e retêm a posse do bem ou direito que o particular esteja em vias de perder). Existe um leque vasto de providências cautelares administrativas (hoje em dia temos um modelo cautelar pleno, em contraste com o anterior modelo monista).
Cabe ainda referir que no caso de decretamento de providências cautelares positivas estas devem ser realizadas com ponderação de dois equilíbrios: princípio da prossecução do interesse público e do respeito por direitos e interesses legalmente protegidos do cidadão.
Quanto aos pressupostos gerais, dividi-los-emos:
·         Periculum in mora – É o receio fundado na constituição de um facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação. Surgia este na alínea b) do anteprojecto de 2000, permitindo a adopção de providências cautelares apenas baseadas nesta alínea, sem referência ao fumus boni iuris.
·         Fumus boni iuris – É a avaliação sumária do êxito da acção principal. No caso das providências cautelares conservatórias basta um fumus non mali iuris (a não manifesta ausência de fundamentação da pretensão do requerente). Nas providências cautelares antecipatórias é necessário considerar provável o êxito da acção principal. No anteprojecto de 2000 surgia no artigo 110º/1 a) e exigia a probabilidade séria da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. Vasco Pereira da silva criticou esta formulação pois considerou que implicaria a obrigação por parte do juiz de antecipar juízo da questão principal tornando mais difícil a obtenção de providências cautelares[9]. Actualmente, até os requisitos das providências cautelares antecipatórias são menos exigentes.
·         Ponderação proporcional de interesses públicos e privados – Tem de existir uma ponderação da necessidade de concessão das providências cautelares, que são susceptíveis de intromissão na liberdade da conformação administrativa e de prejuízo dos interesses dos requeridos e contra-interessado
Quanto às antecipatórias, acresce:
·         Adequação - O tribunal pode adoptar providências cautelares não requeridas concretamente para evitar lesão de direitos de requerente e para ser menos gravosa para interesses públicos e privados em jogo.

Rita Camilo - nº 19835


[1] Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo
[2] Lei do Processo nos Tribunais Administrativos
[3] Art. 76º LEPTA
[4]  Freitas do Amaral e Processo 6057/02 de 21/02/2002
[5] Cláudio Monteiro, A suspensão de eficácia dos actos administrativos de conteúdo negativo, Faculdade de Direito de Lisboa, página 157
[6] As providências cautelares visam assegurar a utilidade da lide, e não decidi-la. O juiz deve abster-se de antecipar a decisão do juiz de julgamento.
[7] O decretamento da providência deve assentar na apreciação sumária dos factos, num juízo de mera probabilidade.
[8] A decisão tem carácter temporal limitado e não faz caso julgado
[9] Vasco Pereira da Silva, “Vem aí a reforma do Contencioso Administrativo”, in Reforma do Contencioso Administrativo – Trabalhos Preparatorios – Debate Universitário, Vol. I, Ministério da Justiça.

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