sábado, 15 de dezembro de 2012

O contencioso administrativo como ‘Direito Constitucional concretizado’. Dependência constitucional do Direito administrativo e dependência administrativa do Direito Constitucional:


O contencioso administrativo como ‘Direito Constitucional concretizado’. Dependência constitucional do Direito administrativo e dependência administrativa do Direito Constitucional:

Uma das questões mais necessitadas de psicanálise é a relação difícil entre Administração e Constituição, que se parece com a de irmãos siameses que estiveram muitas vezes desavindos, mesmo quando não podiam passar um sem o outro. É necessário compreender o exacto significado desse relacionamento complexo, não podendo significar, em termos jurídicos a impermeabilidade do Direito Administrativo em face dos valores constitucionais. Isso não significa que seja suficiente a simples consideração de que o Direito Administrativo depende do Direito Constitucional só porque a Constituição se encontra no topo do ordenamento jurídico pois tal equivaleria a reduzir o problema a uma simples proclamação do Direito Administrativo como Direito Constitucional concretizado.

Em suma, a discussão acerca das bases constitucionais do Direito Administrativo, não obstante uma aparência de partilha de um mínimo denominador comum, serviu para demonstrar que, sob esse manto vocabular, se escondiam duas concepções antagónicas: uma admitindo, a outra negando, a efectiva relevância da Constituição para a Administração.

Resumindo toda a filosofia de relacionamento entre Direito Administrativo e Direito Constitucional a uma questão de hierarquia de normas, ao considerar que é evidente que a parte superior das fontes do Direito Administrativo é composta por normas de valor constitucional, cujo respeito se encontra jurisdicionalmente assegurado (VEDEL).

Desde os primórdios, nem a doutrina administrativa se tinha esquecido da referência à Constituição nem a jurisprudência ignorava a supremacia das normas constitucionais. Daí que, conforme escreveu VEDEL, seria excessiva a interpretação coperniciana da constitucionalização, ela seria um contra-senso  se referida ao juiz administrativo. Conforme escreve BACHOF se nem a subordinação à Constituição do Direito Administrativo nem também a perspectiva das suas relações constituem uma novidade, aquilo que é inteiramente novo e só surgiu com a Lei fundamental é a imediata e permanente confrontação de qualquer actividade administrativa com a Constituição. A Constituição é um padrão para a aferição da validade e para o controlo da actuação administrativa. Do que se trata não é mais que uma mera questão formal de subordinação da Administração à Constituição, mas sim do problema material da realização continuada e permanente das normas fundamentais através do Direito Administrativo.

Torna-se indispensável a cooperação frutuosa entre a doutrina constitucional e a doutrina administrativa e é necessário colocar a questão de saber em que medida é que o Direito Administrativo se deve enraizar no Direito Constitucional. A resposta num Estado de Direito Pós-social é de uma dependência recíproca.
Pensando agora no domínio processual, existe uma relação de dependência constitucional do direito administrativo que faz dele direito constitucional concretizado. As modernas Constituições passaram também a incluir regras quanto à natureza e à organização dos tribunais competentes para o julgamento dos litígios administrativos. Todas estas questões do Processo Administrativo foram promovidas à categoria de princípios e de regras fundamentais, no âmbito de um movimento de constitucionalização que se verificou por toda a Europa. Por outro lado, é afirmada a função e a natureza subjectiva do Contencioso Administrativo, mediante a garantia de um direito fundamental à protecção plena e efectiva dos particulares. A dependência do Processo Administrativo relativamente à Constituição é tão forte que a mudança de paradigma só se pôde realizar com o auxílio do Direito Constitucional, fenómeno que ocorreu a partir da década de setenta do século XX, em simultâneo com a implantação do Estado Pós-Social.

Passou a existir uma Constituição do processo administrativo material, as têtes de chapitre. Vai-se assistir, portanto, à inversão da velha fórmula de Mayer. Quem passava não era o Direito Constitucional mas sim o Direito Administrativo. Seria correcto dizer-se que o Direito Administrativo passa e o Direito Constitucional fica. Mas se há uma dependência constitucional do Direito Administrativo, a afirmação inversa é igualmente verdadeira: existe também uma dependência administrativa do Direito Constitucional e isto é evidente no Contencioso Administrativo enquanto domínio privilegiado de realização dos direitos fundamentais pois é preciso que existam os meios contenciosos adequados, de forma a assegurar a sua tutela plena e efectiva.

Tendo em conta esta dimensão processual, HABERLE propõe a revisão da doutrina dos status de JELLINEK, mediante a criação de um status civicus processualis – status activus.

Esta mudança de paradigma do direito material para o direito de procedimento confere à Administração e aos Tribunais um papel decisivo na realização dos direitos fundamentais.

Por outro lado, a extensão da protecção jurídica no que respeita ao acesso aos tribunais e a processo judicial deve ser vista como a concretização de um programa de extensão dos direitos fundamentais materiais. Assim, a consideração dos direitos fundamentais como direitos subjectivos com uma eficácia procedimental permite garantir a respectiva protecção jurídica ainda antes da intervenção dos tribunais.

De facto: o regime do poder público, os princípios gerais do direito, a responsabilidade pública pré-existiram em relação aos textos constitucionais, pelo que, num certo sentido pode mesmo falar-se de administrativização do Direito Constitucional, no duplo sentido desses princípios serem incorporados ao Direito Constitucional positivo e dos tribunais Constitucionais adoptarem técnicas e mecanismos jurídicos inspirados nos utilizados tradicionalmente pelos tribunais administrativos (VEDEL). Pode-se falar numa interpretação conforme ao processo administrativo, conforme à constituição do direito administrativo (HABERLE).
Por último, a actual conjuntura de crise e de mudança das instituições do Direito Público introduz uma nova aproximação entre Constituição e Direito Administrativo ou entre Constituição e Processo Administrativo.
Dados os conceitos chave das novas dogmáticas juspublicísticas – flexibilidade, eficiência, perturbam quer o sentido do Estado Constitucional quer a cultura jus-administrativista clássica (GOMES CANOTILHO). Tem mais de metamórfico obrigando à reconstrução permanente do Direito Público.

A Constituição Portuguesa do Processo Administrativo:

A Constituição Portuguesa estabelece um Contencioso Administrativo integralmente jurisdicionalizado e destinado à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas, conforme decorre das disposições dos 202º e seguintes e números 4 e 5 do art.268º. A consagração deste modelo de Contencioso típico do período da confirmação, em Portugal saltou uma etapa uma vez que com a CRP de 76, o baptismo é simultâneo da confirmação. As posteriores revisões e a própria CRP de 76 inserem-se no movimento de constitucionalização do Contencioso Administrativo que se caracteriza pela elevação ao nível constitucional da garantia do controlo jurisdicional pela consagração de direitos fundamentais em matéria de Processo Administrativo. De entre estes, avulta o direito de acesso à justiça administrativa que é direito fundamental de duas formas. Ele é instrumento de efectividade dos direitos fundamentais e é, mais genericamente, um direito processual fundamental.

O processo não é mais a patologia cuja importância convinha necessariamente reduzir mas é expressão do Estado de Direito mas também sinal de que as pessoas continuam a participar nele enquanto agentes activos e cidadãos.

A consagração deste modelo constitucional implica a superação dos traumas de infância.

É necessário analisar o modo como a nossa Constituição trata do Contencioso Administrativo. A lógica da constituição aberta para uma sociedade aberta obriga a considerar tanto o texto como a prática constitucionais de acordo com uma perspectiva dinâmica. Porque a Constituição é uma realidade viva e não uma pura forma, sem que isso signifique a perda da sua normatividade.

                                                                                                                                 João Folgado, 19675

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