segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Até à última gota – os recursos jurisdicionais

           “Art. 140.º do CPTA
Os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações, e são processados como os recursos de agravo, sem prejuízo do estabelecido na presente lei e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.”

Não estando consagrado constitucionalmente o princípio do duplo grau de jurisdição[1], que em defesa da justiça e da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, permite o reexame por um tribunal superior de decisões já proferidas[2], não é deixado de se assegurar um direito ao recurso de decisões jurisdicionais às partes processuais. Mais, admite-se, no âmbito do processo administrativo, ainda que a título excepcional, a hipótese de haver um duplo grau de recurso.
Tal como estabelece o art. 140.º do CPTA, à matéria dos recursos jurisdicionais do processo administrativo, são aplicáveis as normas do processo civil, ainda que com as necessárias adaptações e sem prejuízo do que as normas processuais administrativas estabelecem.

Cabe agora analisar quais as decisões passíveis de recurso jurisdicional. O n.1 do art. 142.º do CPTA estabelece o princípio geral – é possível recorrer de decisões, que em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa. São-nas as sentenças finais e decisões arbitrais, bem como despachos saneadores que conhecendo a fundo a causa, incluem decisões que tomem como procedentes ou improcedentes excepções peremptórias[3] - art. 691.º n.2 do CPC. Incluem-se ainda neste princípio as decisões, em sede executiva, que o n.2 do art. 142.º do CPTA sublinha.
Frise-se que condição de admissibilidade destes recursos será o processo ter valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre[4]. O valor da alçada dos tribunais da jurisdição administrativa é regulado pelo art. 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Independentes do valor da causa para recurso, estão as decisões previstas no n.3 do art. 142.º do CPTA.
O recurso é ainda permitido nos processos urgentes – art. 147.º do CPTA.

Quanto à legitimidade para interpor recurso, tem-na a parte que, na decisão jurisdicional tenha ficado vencida. Será parte vencida, aquela a quem a decisão proferida causar certo prejuízo, ou melhor, se mostre desfavorável[5].
A regra de legitimidade é o art. 141.º do CPTA, que no seu n.1 dá também ao Ministério Público a possibilidade interpor recurso.

Será, em regra, suspensivo o efeito do recurso – art. 143.º n.1 do CPTA. No entanto, em sede de recursos de decisões proferidas em processos cautelares e na sequência de uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o efeito será meramente devolutivo – n.2 do art. 143.º do CPTA.
Mas a lei não se limita a uma regulação abstracta da matéria[6], regulando de forma complexa, os efeitos dos recursos nos números 3, 4 e 5 do art. 143.º do CPTA. Prevê o n.3 que o interessado possa requerer, ao tribunal, o efeito devolutivo do recurso, no caso de se verificar periculum in mora, ou seja, se havendo suspensão dos efeitos da sentença ocorrerem situações de facto consumado ou produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses prosseguidos. O n.4 dispõe que o tribunal terá que tomar as providências adequadas a evitar ou minorar os danos que possam advir da atribuição de efeito devolutivo ao recurso. Contudo, se se verificarem danos resultantes da atribuição de efeito devolutivo ao recurso superiores aos que resultariam de um efeito suspensivo, o tribunal deve recusar o requerimento[7] – n.5 do art. 143.º do CPTA.

O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, contados desde a notificação da decisão recorrida – art. 144.º do CPTA. Aqui difere a lei processual administrativa da lei processual civil, que nos termos do art. 685.º n.1 do CPC, estabelece um prazo de 10 dias para se interpor recurso. Nos processos urgentes, será de 15 dias o prazo de interposição – art. 147.º n.1 do CPTA.
Deve o requerimento do recurso incluir ou juntar logo as alegações – art. 144.º n.2 do CPTA. Quando a secretaria recebe o requerimento deve notificar, oficiosamente, o recorrido, para que este contra-alegue no prazo de 30 dias – art. 145.º n.1 do CPTA. Só depois desta junção de contra-alegações tem lugar o despacho sobre a admissão do recurso[8]. Assim se resolve, a colisão entra o disposto no art. 144.º n.3 e no art. 145.º n.1, ambos do CPTA.
Recebido o recurso, notifica-se o Ministério Público, para se pronunciar, num prazo de 10 dias, sobre o mérito do mesmo, quando estejam em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou alguns valores ou bens referidos no art. 9.º n.2 – art, 146.º n.1 do CPTA. Será assim, quando o Ministério Público não for parte no processo nem tenha interposto ele o recurso, nos termos do art. 141.º n.1 do CPTA.

Cabe, para concluir a exposição, e em linhas muito breves e gerais, identificar os tipos de recursos que a lei processual administrativa regula.
Os tipos legais de recursos são:
1.    Os ordinários;
2.    Os extraordinários.
No primeiro grupo, chamemos-lhe assim, estão os recursos de apelação (art. 149.º do CPTA) e de revista (art. 150.º do CPTA). No recurso de apelação serão reexaminadas as questões objecto do litígio, funcionando assim o tribunal de recurso como um verdadeiro segundo grau de jurisdição, pois julga de novo o mérito da causa[9]. Julgando procedente o recurso, é a decisão recorrido substituída por uma nova. Será de revista, o recurso de uma decisão proferida em segundo instância pelo TCA – reapreciará a causa o STA. Há uma particularidade neste no âmbito do recurso de revisto, o chamado recurso per saltum para o STA. Este ocorre quando o valor da causa seja particularmente elevado (superior a três milhões de euros) ou indeterminável, salvo tratando-se de matérias de funcionalismo público ou segurança social – art. 151.º n.1 do CPTA.
No segundo grupo, caberão os recursos para uniformização de jurisprudência (art. 152.º do CPTA) e para revisão de sentenças (art. 154.º e seguintes do CPTA)[10]. Para se interpor recurso para uniformização de sentença é necessário que, sobre a mesma questão fundamental de direito, haja uma contradição entre (i) um acórdão do TCA e um anterior acórdão do mesmo TCA ou do STA, ou então, (ii) entre dois acórdãos do STA. O objectivo não é mais do que uniformizar a jurisprudência administrativa, impedindo assim o tratamento desigual de casos substancialmente iguais[11]. O recurso de revisão de sentença obedece às regras do processo civil. Assim é pelo art. 154.º n.1 do CPTA, sem prejuízo dos artigos 155.º e 156.º, ambos do CPTA.  

Solange Martins
18420

[1] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2009, p. 447.
[2] TERESA VIOLANTE, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, em O DIREITO, Ano 139.º (2007), IV, sob direcção do Professor Inocêncio Galvão Telles, p. 844.
[3] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça …, cit., p. 448.
[4] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012, p. 428.
[5] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 694-695.
[6] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça …, cit., p. 464.
[7] TERESA VIOLANTE, Os recursos jurisdicionais …, cit., p. 860.
[8] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário…, cit., pp. 717.
[9] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual …, cit., p. 419.
[10] Note-se que se adopta a posição do Professor Mário Aroso de Almeida. Em sentido contrário, o Professor Vieira de Andrade elenca o recurso para uniformização de jurisprudência nos recursos ordinários (JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça …, cit., p. 458.)
[11] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça …, cit., p. 459.

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