Os recursos
ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais
administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as
necessárias adaptações, e são processados como os recursos de agravo, sem
prejuízo do estabelecido na presente lei e no Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais.”
Não estando consagrado constitucionalmente o princípio
do duplo grau de jurisdição[1],
que em defesa da justiça e da protecção dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos, permite o reexame por um tribunal superior de decisões
já proferidas[2],
não é deixado de se assegurar um direito ao recurso de decisões jurisdicionais
às partes processuais. Mais, admite-se, no âmbito do processo administrativo,
ainda que a título excepcional, a hipótese de haver um duplo grau de recurso.
Tal como estabelece o art. 140.º do CPTA, à
matéria dos recursos jurisdicionais do processo administrativo, são aplicáveis
as normas do processo civil, ainda que com as necessárias adaptações e sem
prejuízo do que as normas processuais administrativas estabelecem.
Cabe agora analisar quais as decisões passíveis
de recurso jurisdicional. O n.1 do art. 142.º do CPTA estabelece o princípio
geral – é possível recorrer de decisões, que em primeiro grau de jurisdição,
tenham conhecido do mérito da causa. São-nas as sentenças finais e decisões
arbitrais, bem como despachos saneadores que conhecendo a fundo a causa,
incluem decisões que tomem como procedentes ou improcedentes excepções
peremptórias[3]
- art. 691.º n.2 do CPC. Incluem-se ainda neste princípio as decisões, em sede
executiva, que o n.2 do art. 142.º do CPTA sublinha.
Frise-se que condição de admissibilidade destes
recursos será o processo ter valor superior à alçada do tribunal do qual se
recorre[4].
O valor da alçada dos tribunais da jurisdição administrativa é regulado pelo
art. 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Independentes do valor da causa para recurso, estão
as decisões previstas no n.3 do art. 142.º do CPTA.
O recurso é ainda permitido nos processos
urgentes – art. 147.º do CPTA.
Quanto à legitimidade para interpor recurso,
tem-na a parte que, na decisão jurisdicional tenha ficado vencida. Será parte
vencida, aquela a quem a decisão proferida causar certo prejuízo, ou melhor, se
mostre desfavorável[5].
A regra de legitimidade é o art. 141.º do CPTA,
que no seu n.1 dá também ao Ministério Público a possibilidade interpor
recurso.
Será, em regra, suspensivo o efeito do recurso –
art. 143.º n.1 do CPTA. No entanto, em sede de recursos de decisões proferidas
em processos cautelares e na sequência de uma intimação para protecção de
direitos, liberdades e garantias, o efeito será meramente devolutivo – n.2 do
art. 143.º do CPTA.
Mas a lei não se limita a uma regulação
abstracta da matéria[6],
regulando de forma complexa, os efeitos dos recursos nos números 3, 4 e 5 do
art. 143.º do CPTA. Prevê o n.3 que o interessado possa requerer, ao tribunal,
o efeito devolutivo do recurso, no caso de se verificar periculum in mora, ou seja, se havendo suspensão dos efeitos da
sentença ocorrerem situações de facto consumado ou produção de prejuízos de difícil
reparação para a parte vencedora ou para os interesses prosseguidos. O n.4
dispõe que o tribunal terá que tomar as providências adequadas a evitar ou
minorar os danos que possam advir da atribuição de efeito devolutivo ao
recurso. Contudo, se se verificarem danos resultantes da atribuição de efeito
devolutivo ao recurso superiores aos que resultariam de um efeito suspensivo, o
tribunal deve recusar o requerimento[7]
– n.5 do art. 143.º do CPTA.
O prazo para a interposição do recurso é de 30
dias, contados desde a notificação da decisão recorrida – art. 144.º do CPTA. Aqui
difere a lei processual administrativa da lei processual civil, que nos termos
do art. 685.º n.1 do CPC, estabelece um prazo de 10 dias para se interpor
recurso. Nos processos urgentes, será de 15 dias o prazo de interposição – art.
147.º n.1 do CPTA.
Deve o requerimento do recurso incluir ou juntar
logo as alegações – art. 144.º n.2 do CPTA. Quando a secretaria recebe o requerimento
deve notificar, oficiosamente, o recorrido, para que este contra-alegue no
prazo de 30 dias – art. 145.º n.1 do CPTA. Só depois desta junção de
contra-alegações tem lugar o despacho sobre a admissão do recurso[8].
Assim se resolve, a colisão entra o disposto no art. 144.º n.3 e no art. 145.º
n.1, ambos do CPTA.
Recebido o recurso, notifica-se o Ministério
Público, para se pronunciar, num prazo de 10 dias, sobre o mérito do mesmo,
quando estejam em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos
especialmente relevantes ou alguns valores ou bens referidos no art. 9.º n.2 –
art, 146.º n.1 do CPTA. Será assim, quando o Ministério Público não for parte
no processo nem tenha interposto ele o recurso, nos termos do art. 141.º n.1 do
CPTA.
Cabe, para concluir a exposição, e em linhas
muito breves e gerais, identificar os tipos de recursos que a lei processual
administrativa regula.
Os tipos legais de recursos são:
1.
Os ordinários;
2.
Os extraordinários.
No primeiro grupo, chamemos-lhe assim, estão os
recursos de apelação (art. 149.º do CPTA) e de revista (art. 150.º do CPTA). No
recurso de apelação serão reexaminadas as questões objecto do litígio,
funcionando assim o tribunal de recurso como um verdadeiro segundo grau de
jurisdição, pois julga de novo o mérito da causa[9].
Julgando procedente o recurso, é a decisão recorrido substituída por uma nova. Será
de revista, o recurso de uma decisão proferida em segundo instância pelo TCA –
reapreciará a causa o STA. Há uma particularidade neste no âmbito do recurso de
revisto, o chamado recurso per saltum
para o STA. Este ocorre quando o valor da causa seja particularmente elevado
(superior a três milhões de euros) ou indeterminável, salvo tratando-se de
matérias de funcionalismo público ou segurança social – art. 151.º n.1 do CPTA.
No segundo grupo, caberão os recursos para
uniformização de jurisprudência (art. 152.º do CPTA) e para revisão de
sentenças (art. 154.º e seguintes do CPTA)[10].
Para se interpor recurso para uniformização de sentença é necessário que, sobre
a mesma questão fundamental de direito, haja uma contradição entre (i) um
acórdão do TCA e um anterior acórdão do mesmo TCA ou do STA, ou então, (ii) entre
dois acórdãos do STA. O objectivo não é mais do que uniformizar a
jurisprudência administrativa, impedindo assim o tratamento desigual de casos
substancialmente iguais[11].
O recurso de revisão de sentença obedece às regras do processo civil. Assim é
pelo art. 154.º n.1 do CPTA, sem prejuízo dos artigos 155.º e 156.º, ambos do
CPTA.
Solange Martins
18420
[1] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE,
A Justiça Administrativa (Lições),
Almedina, Coimbra, 2009, p. 447.
[2] TERESA VIOLANTE, Os recursos jurisdicionais no novo
contencioso administrativo, em O DIREITO, Ano 139.º (2007), IV, sob
direcção do Professor Inocêncio Galvão Telles, p. 844.
[4] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA,
Manual de Processo Administrativo, Almedina,
Coimbra, 2012, p. 428.
[5] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA
e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código do
Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005, pp.
694-695.
[6] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE,
A Justiça …, cit., p. 464.
[7] TERESA VIOLANTE, Os recursos jurisdicionais …, cit., p.
860.
[8] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA
e CARLOS CADILHA, Comentário…, cit., pp.
717.
[9] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA,
Manual …, cit., p. 419.
[10] Note-se que se adopta a
posição do Professor Mário Aroso de Almeida. Em sentido contrário, o Professor Vieira
de Andrade elenca o recurso para uniformização de jurisprudência nos recursos
ordinários (JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A
Justiça …, cit., p. 458.)
[11] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE,
A Justiça …, cit., p. 459.
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