sábado, 15 de dezembro de 2012

A concessão de Providências Cautelares Inominadas - requisitos



Os requisitos a preencher para que possa ser concedida uma providência cautelar (inominada) em processo administrativo estão previstos no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
De forma genérica podemos começar por referir que são três os pressupostos que têm de estar verificados:
·  O periculum in mora
·  O fumus boni iuris
· A ponderação de interesses.

Quanto ao periculum in mora está previsto nas alíneas b) e c) do artigo 120º/1 CPTA correspondendo a “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para (…) o requerente”. Este requisito traduz-se na existência de um motivo que justifique a tutela cautelar, ou seja, terá de ser necessário decidir de forma provisória sob pena de não estar acautelado o efeito útil da decisão definitiva do tribunal.
Anteriormente, o regime apenas mencionava a hipótese de um prejuízo de difícil reparação agora acrescenta-se a situação de facto consumado, assim se torna possível concluir que não está apenas em causa a possibilidade de os eventuais danos causados ao requerente não poderem ser avaliados em termos monetários mas também as situações em que podendo ser feita esta avaliação, ainda assim, a reintegração total da legalidade da situação não é possível[1]. Há ainda os casos em que o dano causado ao requerente pela não concessão da providência poderá ser de difícil reparação, visto que a reintegração no plano dos factos será difícil ou que sempre haverão danos que se produzirão ao longo do tempo. Tudo se reconduz, no fundo, à ideia de assegurar a utilidade da decisão final.
Defende o professor Mário Aroso de Almeida que a avaliação do periculum in mora deve ser efectuada pelo juíz de acordo com uma lógica de sumariedade[2] (o que implicará apenas um juízo de probabilidade), que uma das características gerais do processo cautelar.

Relativamente ao fumus boni iuris há que referir que este consiste na existência de uma aparência de bom direito, ou seja, na ideia de que a pretensão do particular no processo principal pode ser considerada procedente. No entanto este critério é estabelecido de forma gradual nas alíneas a), b) e c) do artigo 120º/1 CPTA, pois tem intensidades diferentes em cada uma delas.
Na alínea a prevê-se uma situação em que é “evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular”, será então claro que o pedido do requerente será considerado procedente e nessa medida faz sentido que seja concedida a providência. É consensual na doutrina que se prescinde da verificação do requisito da ponderação de interesses (constante do artigo 120º/2 CPTA), o que se justifica pela intensidade do critério do fumus boni iuris, pois sendo evidente a procedência do pedido do particular não vale a pena adiar a decisão.
Já o que diz respeito à avaliação do periculum in mora quando esteja em causa uma situação que recaia nesta alínea, é duvidoso saber se este requisito será ou não aplicável. Comparando o teor da alínea a) com o das alíneas b) e c), as últimas fazem menção expressa ao periculum in mora, ao passo que esta nada diz, pelo que parece ser discutível se ele terá ou não de estar verificado. Segundo a posição de Mário Aroso de Almeida tal requisito não seria exigível porquanto nestes casos não se pode restringir a tutela dos direitos do particular só porque não há quanto aos mesmos um fundado receio de lesão, para o professor trata-se de uma situação em que de nada vale adiar o inadiável e por isso a tutela cautelar deve ser concedida. No entanto o professor reconhece que não sendo um caso em que a providência visa acautelar a utilidade da decisão principal, parece que estamos perante uma modalidade de tutela sumária acessória ao invés de uma providência cautelar[3].
No entanto, há também quem defenda que pela inclusão sistemática do artigo 120º/1 a) CPTA estamos perante uma providência cautelar e nessa medida terá de ser exigível o periculum in mora, sob pena de não haver interesse em agir e de não se poder conceder a providência. Ainda quanto à alínea a) é de referir tem tido muito pouca aplicação prática, pois a jurisprudência aplica os seus requisitos de forma tão exigente que raros são os casos em que eles se encontram preenchidos. 
Atendendo agora à alínea b) do artigo 120º/1 CPTA, esta rege a concessão de providências cautelares conservatórias (ou seja, está em causa a manutenção do statu quo), quando “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão”. Aqui a aparência de bom direito aparece formulada de forma negativa, desde que não existam elementos que permitam concluir que a pretensão material do particular será negada, a providência deverá ser concedida. Há que ter em conta que se trata de uma situação em que o particular apenas requer que se mantenha a realidade como era até àquele momento, não estando em causa nenhuma alteração pelo que esta é esta a alínea em que temos uma menor intensidade do fumus boni iuris.
A alínea c) do artigo 120º/1 impõe os requisitos das providências cautelares antecipatórias (aquelas em que se pretende modificar ou inovar o statu quo), aqui o critério da aparência de bom direito é mais exigente pois tem de ser provável que a pretensão do particular no processo principal venha ser julgada procedente. Estando-se numa situação em que o requerente pretende que se altere a situação de modo a que lhe seja mais favorável, faz sentido que lhe seja exigido que demonstre que tem razão.

Resta analisar o critério da ponderação de interesses, como já foi referido este não se aplica no caso do artigo 120º/1 a) CPTA, mas é condição de concessão das providências cautelares previstas nas alíneas b) e c) do mesmo artigo, mesmo que se verifiquem os outros dois requisitos, este tem de estar preenchido para que se conceda a providência. Está aqui em causa um juízo de proporcionalidade dos interesses em causa que serão os do requerente e os interesses afectados pela concessão da providência. Note-se que anteriormente ao CPTA se tratava este critério como uma ponderação entre o interesse privado e o interesse público, e sendo este último afectado a providência não era concedida, o que conduzia a uma parca aplicação de mecanismo das providências cautelares.
Actualmente aquilo que tem de ser feito é um juízo de valor relativo, uma justa comparação dos interesses em presença de modo a que se perceba se as vantagens concedidas ao requerente vão ser superiores aos danos eventualmente causados ao requerido.

Para concluir diga-se que temos um regime de concessão de providências cautelares cuja aplicação é relativamente fácil (especialmente quando se compara o regime actual com aquele que o precedeu), o que vai de encontro à ideia de tutela dos direitos dos particulares no contencioso administrativo. Por isso mesmo, as providências cautelares são um meio processual muito usado.


[1] Tome-se como exemplo o caso em que é pedida uma providência cautelar para evitar que um prédio seja demolido (estando a mesma situação a ser discutida no processo principal). Nesse caso, sabe-se qual o valor do prédio, mas esse valor não corresponde ao dano sofrido pelo requerente visto que se no processo principal lhe for dada razão ele terá direito a reconstruir o prédio mas isso custar-lhe-á tempo e incómodo, o que podia ser evitado se a providência cautelar assegurasse que o prédio não seria demolido até o tribunal decidir de forma definitiva.
[2] Vide, Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, pág. 476.
[3] Vide, Almeida, Mário Aroso de; “Manual de Processo Administrativo”, pág. 226.


Mariana Gameiro Branco, nº 19752

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