quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Dos fundamentos da obrigação de indemnizar por causa legítima de inexecução

De entre os inúmeros objectivos prosseguidos pela reforma do contencioso administrativo, importa considerar o intuito de flexibilização do objecto do processo, como meio de garantia da adequada tutela dos direitos dos particulares. De facto, e como referem Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida[1], uma manifestação deste princípio encontra-se subjacente ao mecanismo previsto no art. 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), bem como na disposição do art. 102º/5 CPTA, relativa ao contencioso pré-contratual. De acordo com estes preceitos, ao tribunal é atribuída a faculdade de proceder a uma modificação objectiva da instância, reconduzível à convolação do pedido inicial do autor numa pretensão indemnizatória, na sequência da impossibilidade de executar a sentença que deveria ser proferida. Deste modo, prevê-se um meio alternativo de garantia de tutela para os casos em que não é possível, por razões de impossibilidade absoluta ou excepcional prejuízo para o interesse público, atender aos interesses do autor. Assim, e como sublinha alguma doutrina[2], esta possibilidade encontra-se intrinsecamente ligada às preocupações de cariz subjectivista que marcam esta nova fase do contencioso administrativo, visto que será aplicável em acções que prossigam uma função de tutela de lesão de um interesse pessoal, avaliável pecuniariamente.
Neste sentido, cumpre igualmente assinalar que a principal diferença em relação ao regime anteriormente previsto reside no facto de, nos termos dos preceitos referidos, ser possível ao juiz antecipar, de certo modo, o regime de execução de sentenças. Esta faculdade de substituição do pedido formulado pelas partes com base num juízo de mérito antecipatório recebeu críticas de alguma doutrina, sendo inclusive conotada como inconstitucional por violar o princípio da separação de poderes e o princípio do pedido[3]. Contudo, estes receios parecem ter sido atenuados pela configuração que se atribuiu ao preceito, não se concretizando os anseios manifestados por esta doutrina de que o contencioso administrativo se poderia transformar num “processo de mera indemnização”. Como já se referiu, procura-se, por esta via, evitar que o processo termine, ainda na fase declarativa com uma decisão formal de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide[4]. Efectivamente, prevê-se que a própria discussão sobre uma eventual causa legítima de inexecução seja trazida para esta fase, recaindo sobre a Administração o ónus de a alegar nesta sede[5]. Consequentemente, determina o art. 163º/3 CPTA a impossibilidade de invocar uma causa legítima de execução em momento posterior, a não ser quando assente em circunstâncias supervenientes. Daqui se conclui, com a maioria da doutrina[6], que haverá que articular o regime do art. 45º CPTA com a previsão do art. 166º CPTA, visto que esta disposição será a correspondente em sede de execução da sentença. Ora, como se viu, do que se trata no art. 45º é exactamente de antecipar um juízo que, em princípio, só ocorreria aquando da execução da sentença, pelo que parece possível considerá-los referentes à mesma questão, mas em momentos distintos.
Procura-se desta maneira conferir uma protecção efectiva aos particulares, que terão a sua situação regulada de forma célere e definitiva, correndo “o risco do decurso do tempo por conta do autor do acto ilegal”[7]. Assim, apesar de a possibilidade de atender aos factos impeditivos de execução de uma sentença se encontrar prevista no anterior regime, os contornos que este código lhe conferiu parecem coadunar-se com o propósito geral prosseguido, colocando em primeiro plano a necessidade de concretizar os direitos daqueles que são atingidos pela actuação da Administração.
Como se intui, o âmbito de aplicação deste mecanismo reconduzir-se-á, naturalmente, àquelas acções que assumem contornos marcadamente subjectivistas, que visem “a satisfação dos interesses do autor”. Atendendo à formulação ampla do preceito dir-se-á, com Mário Aroso de Almeida[8] que este mecanismo poderá ser utilizado em acções de condenação, como também na própria acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos (art.51º e ss. CPTA) já que, ainda que o autor não proceda à cumulação de pedidos condenatórios, “esse intuito fica subjacente ao processo”[9]. Neste sentido, cumpre igualmente considerar a previsão do art. 102º/5 CPTA relativa à impugnação de actos pré-contratuais, que parece corroborar a anterior interpretação[10]. Defendemos então que esta modificação objectiva da instância será aplicável à acção administrativa comum e à acção administrativa especial – por força da remissão do art. 49º CPTA, havendo igualmente que atender ao regime expresso em sede de contencioso pré-contratual. Considerando estas notas, importa ainda sublinhar que esta fórmula não será naturalmente aplicável quando estejam em causa acções cujo objecto se reconduza ao pagamento de uma quantia, uma vez que nestes casos não se verificará uma situação de impossibilidade absoluta[11].
Ainda em jeito de considerações prévias, importa aludir à previsão do art. 45º/5 CPTA, relativa à faculdade que assiste ao autor de deduzir pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da actuação da Administração. Embora não seja o ponto mais discutido no que a esta matéria diz respeito, parece não ser claro o alcance a atribuir a esta previsão. Com efeito, considera alguma doutrina[12] que esta acção surge como alternativa ao mecanismo previsto no próprio art. 45º/1 CPTA, o que significa que o autor deverá optar entre “aceitar” a modificação objectiva da instância ou socorrer-se de uma acção de responsabilidade civil pelo acto ilícito da Administração. Apesar de essa ser, em tese, uma solução perfeitamente admissível, não parece ser esse o intuito plasmado no art. 45º/5 CPTA. De facto, atendendo à intenção que se apontou estar subjacente a este mecanismo: tutela jurisdicional efectiva dos interesses dos particulares, não se afigura coerente entender esta disposição como prejudicando a possibilidade de fazer prosseguir a acção inicial através da modificação objectiva da instância. Neste sentido, e independentemente do que se entenda ser o fundamento da indemnização prevista no art. 45º/1 CPTA, é possível conceber que existam danos que não sejam por essa via indemnizados, o que nos leva a concluir que será de encarar esta disposição como permitindo a cumulação de ambas as vias[13], e não como impondo a escolha por uma delas.
Antes de considerarmos os pressupostos de aplicação desta disposição releva determinar, com maior rigor, em que é que consiste a “modificação objectiva da instância” e aproximarmo-nos da noção de “causa legítima de inexecução”. Entende-se por modificação objectiva da instância, nesta sede, a “substituição da pronúncia condenatória pela fixação da indemnização que, em eventual sede de execução dessa pronúncia, sempre lhe seria devida pelo facto da inexecução”[14]. Assim, esta modificação consiste na convolação do próprio objecto do processo, isto é, do pedido, no sentido de a pretensão do autor ser tutelada por via da atribuição de uma indemnização, ao contrário daquilo que tinha inicialmente sido requerido. Significa isto que o facto de se verificar uma situação de impossibilidade absoluta ou excepcional prejuízo para o interesse público influi directamente na relação processual, determinando a sua modificação. A causa legítima de inexecução tem-se reconduzido a “situações excepcionais que tornam lícita a inexecução de uma sentença e que obrigam a Administração a pagar uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução”[15]. Deste modo, e com o intuito de compreender o real alcance desta figura, cumpre determinar que situações excepcionais poderão legitimar a Administração a não executar a decisão que seria, em princípio, proferida pelo tribunal.
Os arts. 45º/1 e 102º/5 CPTA começam por referir como pressuposto de aplicação deste mecanismo a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou de excepcional prejuízo para o interesse público, no cumprimento dos deveres a que seria condenada a Administração. No que se refere à impossibilidade absoluta, tem a doutrina entendido que este requisito só se encontrará preenchido quando, de um ponto de vista fáctico ou jurídico seja objectivamente impossível proceder à execução da sentença[16]. Assim, não relevará a circunstância de a Administração, por um qualquer motivo, não poder executar a sentença, em termos subjectivos, havendo sempre que considerar uma impossibilidade jurídico-prática de realização da prestação[17]. No que concerne ao pressuposto do “grave prejuízo para o interesse público” cumpre referir que ao contrário do que se previa no texto inicial do Código (“grave prejuízo”) aponta-se para a necessidade de a execução da decisão implicar uma “lesão enorme de um interesse público relevante”[18], traduzida, nomeadamente, na violação dos princípios fundamentais que norteiam a actuação da Administração.
Parece unânime na doutrina o entendimento de que tanto a impossibilidade absoluta como o excepcional prejuízo para o interesse público devem ser actuais, não podendo manifestar-se apenas como meramente futuros ou eventuais aquando da discussão da causa, em sede declarativa. Este entendimento parece consentâneo com a possibilidade, já referida, de invocação de circunstâncias supervenientes aquando da própria execução da sentença, prevista no art. 163º/3 CPTA.
Ainda que aqui se preveja a atribuição de uma pretensão indemnizatória ao autor, não parece necessário observar o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil. De facto, trata-se aqui de conceder uma antecipação da tutela dos direitos dos particulares, pela circunstância de não ser possível atender, de forma completa, à pretensão que lhe foi reconhecida. Diremos, no mesmo sentido que Vera Eiró[19] que esta disposição consubstancia um regime substantivo que prevê uma forma de responsabilidade civil objectiva. A indemnização a que o autor terá direito decorre da própria lei, mediante a verificação dos pressupostos anunciados, não dependendo de qualquer culpa da Administração. Assim, deixam de ser relevantes os pressupostos da responsabilidade civil relevando, para o efeito, a circunstância de o pedido inicial do autor não poder ser satisfeito. Importa contudo sublinhar que esta indemnização não tem como função punir a Administração por uma qualquer actuação, cingindo-se apenas à necessidade de garantir a tutela jurisdicional efectiva.
Ainda que de forma dissimulada, parece estar subjacente à previsão dos arts. 45º/1 e 102º/5 CPTA a ideia de invalidade do acto da Administração. Com efeito, se tal actuação fosse considerada conforme ao Direito não se compreenderia a razão da atribuição da pretensão indemnizatória ao autor. De facto, parece imperativa a procedência do pedido de invalidade do acto como forma de legitimar a decisão favorável a que o autor teria direito, e que terá sido posta em causa pela ocorrência de circunstâncias reconduzíveis a uma causa legítima de inexecução. Neste sentido, a referência à “improcedência do pedido” não se afigura rigorosa[20], já que se o pedido do autor fosse, efectivamente, improcedente, não haveria qualquer motivo atendível para proceder a modificação objectiva da instância nestes termos. Esta referência parece dever entender-se como relativa à própria actuação do tribunal no decurso da acção.
Num primeiro momento, caberá ao juiz aferir da procedência do pedido inicialmente formulado pelo autor, com o intuito de determinar a actuação em que a Administração será, efectivamente, condenada. Assim, é imperativo que o tribunal se decida pela invalidade do acto ou da actuação, de forma a que estipule qual seria a condenação da Administração no âmbito do processo em causa. O preceito visa estabelecer que nesta fase, não haverá qualquer proferimento de sentença de procedência do pedido do autor, visto que a Administração terá alegado uma causa legítima de inexecução durante o processo. Deste modo, e atendendo ao que terá ficado assente durante a discussão da causa, caberá ao juiz indagar da verificação de uma causa legítima de inexecução, atendendo aos exactos termos em que ocorreu a condenação da Administração.
Se de facto se observarem as circunstâncias que legitimam a não execução desta obrigação, proferir-se-á um despacho interlocutório no qual o juiz se pronunciará sobre o pedido do autor – por exemplo, decidindo sobre a invalidade do acto –, declarando, concomitantemente, a ocorrência de uma situação de impossibilidade absoluta ou de excepcional prejuízo para o interesse público. A sentença só será proferida quando as partes tiverem acordado no montante da indemnização devida ao autor, na sequência do convite feito pelo juiz.
Importa agora debruçarmo-nos sobre a própria obrigação de indemnizar prevista nestes preceitos, principiando por indagar do facto que origina esta obrigação. Em termos doutrinais, este parece ser o ponto mais controverso relativamente a esta matéria, visto que as orientações se reconduzem àquelas que entendem tratar-se de uma indemnização devida pelo facto de inexecução da sentença[21] e àquelas que consideram como fundamento desta indemnização o acto inicialmente inválido[22].
De acordo com o entendimento de Vera Eiró[23] parece relevante começar por estabelecer uma distinção entre as duas relações que se encontram aqui em articulação, e que são a relação jurídica material e a relação processual. A primeira traduz-se no direito subjectivo de que o particular é titular e que se terá sido lesado pela actuação da Administração. Assim, num primeiro momento, partimos da concreta relação jurídica que se estabeleceu entre o indivíduo e a Administração, por força do comportamento por esta adoptado. Posteriormente, o particular fez uso do seu direito de acção e concretizou o seu direito em sede processual, fazendo emergir uma relação trilateral entre ele, o tribunal e a Administração. Esta relação processual é criada com o expresso objectivo de tutelar o direito invocado, tratando-se portanto de uma relação instrumental.
A execução da sentença assume relevância em ambas as relações, manifestando, contudo, os seus efeitos de forma distinta em cada uma delas. Neste sentido, a decisão do tribunal e a sua execução constitui a determinação do direito do particular, estabelecendo a configuração do seu conteúdo de forma definitiva, e dando a conhecer ao titular as condições de exercício desse poder e, necessariamente, os seus limites. De certa forma, a execução da sentença concretiza o direito do particular na ordem jurídica e desse modo, reconduz-se à satisfação da sua pretensão. No que respeita à relação processual, a execução da sentença representa o culminar dessa relação, o momento em que tal instrumentalidade deixa de ser necessária, uma vez que se conseguiu obter uma tutela material da situação em causa. Deste modo, parece possível afirmar que a sentença e a sua posterior execução surgem como substitutas da indispensabilidade de tutela anteriormente assegurada pela instância. Se assim se entender, a circunstância de existir uma causa legítima de inexecução da sentença traduzir-se-ia, em princípio, na necessidade de manutenção da relação processual, visto que os meios de tutela da relação jurídica material não estariam garantidos. Com efeito, o que parece decorrer deste mecanismo de modificação objectiva da instância é a emergência de uma nova relação substantiva, fundada na anterior relação processual que não cumpriu o seu desígnio. “Esta relação jurídica, se bem que dependa da relação jurídica substantiva inicial (que corresponde ao direito subjectivo de que o autor era inicialmente titular), é nova e funda-se na existência de um juízo antecipado de uma causa legítima de inexecução da sentença”[24].
Desta forma, diremos que à relação jurídica substantiva inicial que justificou o recurso à via contenciosa se soma, por efeito desta modificação objectiva da instância, uma nova relação jurídica material que confere uma pretensão indemnizatória ao particular. Nesta sequência, importa afirmar que o autor surge como credor da obrigação de indemnizar fundada na inexecução da sentença (que lhe seria favorável), permanecendo como credor da indemnização fundada no acto inicialmente impugnado. Em consonância com este entendimento encontra-se o art. 166º CPTA, que já vimos ser o preceito correspondente em sede de execução ao disposto nos arts. 45º e 102º/5. De facto, atendendo ao contexto em que se inserem estas disposições e aos objectivos que prosseguem, parece sensato considerá-las equivalentes, no sentido de se debruçarem sobre as mesmas questões, nos termos anteriormente expostos. Assim sendo, não faria qualquer sentido considerar que o facto que origina a indemnização prevista nos arts. 45º e 102º/5 CPTA seria distinto daquele que se considera dar origem à pretensão indemnizatória consagrada pelo art. 166º CPTA.
Para além disso, coaduna-se este entendimento com a interpretação anteriormente dada ao nº5 do art. 45º, no sentido de prever uma via adicional à disposição do particular para a reparação de todos os danos resultantes da actuação ilegítima da Administração. De facto, esta disposição determina que o regime dos números precedentes não fica prejudicado por esta faculdade que assiste ao autor, ab initio. Assim, pretende-se garantir que todos os mecanismos de que o particular dispunha permanecem activos e poderão ser empregues para garantir a tutela dos direitos em que o autor se encontra investido.
A argumentação da doutrina que defende que o facto que origina a pretensão indemnizatória consiste na actuação ilegal inicial da Administração[25] merece cuidada atenção. Na opinião destes autores, a origem de toda a discussão e o motivo que levou o particular a recorrer à jurisdição administrativa prende-se com a actuação ilegal da Administração. Assim, a exclusiva fonte da lesão ou lesões da esfera jurídica do particular reconduz-se a um comportamento contrário à legalidade, que determinou o surgimento de uma relação material entre o particular e a Administração. Consequentemente, a instituição da relação processual tem como objectivo, tal como anteriormente se referiu, a tutela da posição subjectiva do particular, sendo que a grande diferença entre estas duas concepções se prende com a configuração atribuída à causa legítima de inexecução. Desta forma, para esta orientação, a circunstância de não se poder executar a sentença a que o particular tinha direito, acaba por se reconduzir a um dano decorrente da própria actuação ilegal da Administração; não no sentido de ser resultado dessa actuação, mas tendo em conta que decorre da própria relação material estabelecida, anteriormente pela lesão operada por essa actuação. Naturalmente que com isto não pretendem estes autores desconsiderar a relevância de uma situação de impossibilidade absoluta ou de excepcional prejuízo para o interesse público, imputando-a directamente à Administração. Infere-se desta concepção que não existe uma autonomização da causa legítima de execução, como fonte de uma nova relação jurídica material. Por isso entende esta doutrina que a indemnização é devida “pelo não cumprimento da prestação em que a autoridade pública estava (ou iria estar) constituída e pelos demais danos decorrentes da sua actuação ilegal”[26].
Atendendo a esta posição, dir-se-ia que a indemnização prevista pelos arts. 45º e 102º/5 CPTA não teria como exclusivo fundamento a inexecução da sentença, mas a própria ilegalidade da conduta da Administração. Uma consequência deste entendimento prende-se com a interpretação do nº 5 do art. 45º CPTA, que estes autores encaram como uma alternativa à pretensão indemnizatória prevista nas referidas disposições. De facto, se se considerar que tal indemnização abrange os danos causados pelo acto inicialmente impugnado, pouco restará para ressarcir numa acção de responsabilidade civil autónoma, em que se pretende obter a reparação de todos os danos resultantes da actuação ilegítima da Administração.
Como nota final, afigura-se oportuno atender ao fundamento da obrigação de indemnizar, que consideramos reconduzir-se à necessidade de ponderação de dois interesses públicos. Efectivamente, as situações de causas legítimas de inexecução traduzem um dilema entre o cumprimento da legalidade proveniente da sentença e o interesse público que se opõe à execução da decisão. Como sabemos, estas disposições relativas à modificação objectiva da instância conferem prevalência à segunda vertente deste interesse, admitindo o incumprimento da obrigação de execução da decisão judicial, por parte da Administração. Exactamente por este razão é que os casos em que se admite o funcionamento deste mecanismo se resumem às situações em que exista uma grave lesão do interesse público ou em que a execução da sentença seja pura e simplesmente, impossível[27]. Apenas nestas circunstâncias parece justificado admitir tal prevalência, até porque, de certo modo, a execução da própria decisão causaria mais prejuízos do que a sua inexecução.


Mafalda Melim
19711

                               
               


[1] DIOGO FREITAS DO AMARAL, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 102
[2] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 290; VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? Notas sobre a aplicação do artigo 102º, nº5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, vol. II, Coimbra, 2008, pág. 805
[3] VASCO PEREIRA DA SILVA, “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 34, Julho/Agosto 2002
[4] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit…, pág. 289
[5] Sobre o ónus de alegação da Administração na fase declarativa, cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit…, pág. 289; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: anotados, vol. I, Almedina, reimpressão da edição de Novembro de 2004, Coimbra, 2006, pág. 302
[6] VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 811; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 389; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit…, pág. 289
[7] VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 807
[8] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, op. cit…, pág. 387
[9] idem
[10] Aparentemente em sentido contrário, referindo que apenas nos casos em que com o pedido de impugnação do acto tenha sido cumulada uma “pretensão dirigida à execução da anulação” VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 810 e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, op. cit.…, pág. 302
[11] Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit…, pág. 291 “não é oponível como causa legítima de inexecução a inexistência de verba ou cabimento orçamental”. Atente-se, por exemplo, ao disposto no art. 171º/2 CPTA
[12] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, op. cit…, pág. 307
[13] No mesmo sentido, VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 818
[14] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit…, pág. 291
[15] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, IV, 1988, p. 242
[16] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, op. cit…, pág. 388
[17] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, op. cit…, pág. 303
[18] idem
[19] VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 832
[20] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, op. cit…, pág. 388
[21] VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 813; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit…, pág. 290
[22] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, op. cit…, pág. 305
[23] VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 812
[24] VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 812
[25] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, op. cit…, pág. 305
[26] idem
[27] Aproximando esta previsão do instituto da expropriação, VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença? …., pág. 814, com outras notas bibliográficas

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