sábado, 15 de dezembro de 2012

A defesa dos Direitos Fundamentais



          A legitimidade activa para defesa dos direitos fundamentais dos particulares, pertence por um lado aos particulares que se vêm lesados nos seus direitos, e por outro ao Ministério Público como defensor da legalidade democrática de acordo com os artigos 219.º n-º1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Tendo em conta os poderes de intervenção processual do Ministério Público, à luz do CPTA, verifica-se que este possui legitimidade activa sempre que estejam em causa a defesa da legalidade e ainda a defesa dos direitos fundamentais.
A legitimidade processual é reconhecida ao Ministério Público, nos termos do Código do Procedimento Administrativo (CPTA) de acordo com o disposto no art. 9º n.º 2 do CPTA, “sempre que esteja em causa a defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas”.
Nas acções administrativas especiais, a legitimidade do Ministério Público é plena nas acções de impugnação de actos administrativos, nos termos do art.º 55º n.º 1 b), o que é corolário da vertente da defesa da legalidade subjacente à logica do próprio contencioso administrativo. Tem ainda ampla legitimidade na impugnação de actos administrativos, sendo que este é o meio principal de tutela dos direitos dos particulares.
Relativamente à acção de condenação à prática de acto devido há legitimidade do Ministério Público nos termos do art.º 68º n.º1 c) “quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores referidos no n.º 2 do artigo 9º”. Assim, em regra, não é reconhecida legitimidade para intentar acção condenatória para protecção de direitos e interesses legalmente protegidos. Apenas quando estejam em causa direitos fundamentais dos cidadãos é que surge essa possibilidade, o que revela a preocupação da ordem jurídica quanto à garantia dos direitos fundamentais por intermédio do Ministério Público.
Ainda é reconhecida legitimidade nos termos do art.º. 77.º, n.º 1 quanto ao pedido de declaração de ilegalidade por omissão.
Já quanto à acção comum, o Ministério Público em regra, não terá legitimidade uma vez que esta acção não será, em princípio o meio processual pelo qual se irão tutelar direitos fundamentais em perigo. Só em cede de execução do contrato, nos termos do art.º 40º n.º 2 c), quando esteja em causa um interesse público especialmente relevante.
O poder de intervenção do Ministério Público prende-se com o seguinte:
- pode solicitar diligências instrutórias e pronunciar-se sobre o mérito da causa em defesa dos direitos fundamentais doas cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos bens e valores referidos no art.º 9º (nestes casos pode invocar causas de invalidade diferentes das arguidas pelas partes nos termos do art.º. 85º n.º 2 e 3)
- pode interpor recursos jurisdicionais em defesa da legalidade nos termos do art.º 141.º n.º1
- pode pronunciar-se sobre o mérito do recurso nos termos do art.º 146 º n.º 1.
Parece de acordo com o exposto que o Ministério Público possui ampla legitimidade sempre que esteja em causa a protecção e garantia dos de interesses difusos ou da estrita legalidade, sendo a sua intervenção condicionada nos meios processuais que visam a tutela de direitos individuais dos administrados, i.e, na acção à condenação da prática de acto devido. Neste último caso a intervenção estará condicionada à invocação de violação de direitos fundamentais (ou interesse público especialmente relevante).
Existem alguns mecanismos na disponibilidade dos particulares, previstos no CPTA, para garantir a tutela dos seus direitos, já que, os meios comuns não urgentes não conseguem evitar a lesão de qualquer direito fundamental com celeridade. Por vezes, os direitos fundamentais exigem uma protecção urgente que tutele o direito violado ou em risco. Assim, o particular pode recorrer às providências cautelares para assegurar o seu direito de forma mais rápida, ainda que esta tutela seja provisória e instrumental à acção principal[1].

MECANISMOS IMPORTANTES PARA TUTELA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Um dos mecanismos importantes para tutela de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos encontra-se previsto no art.º 128º CPTA, que se refere ao pedido de suspensão de eficácia de um acto administrativo pelo particular quando este vê os seus direitos lesados. Desta forma, o particular pode intentar um pedido cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo e a mera suspensão dos efeitos do acto permite obstar à violação do direito (este mecanismo permite a cautela do direito, mas está sempre dependente do resultado da decisão da acção principal).
Quando, nos termos do art.º 128º n.º 1 for requerida a suspensão de eficácia de um acto administrativo, a entidade requerida pode obstar à proibição de execução imediata do acto mediante resolução fundamentada reconhecendo que o “diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”. O art.º 128º, nº 1, do CPTA visa evitar o periculum in mora do próprio processo cautelar. Não existe no art.º 128º do CPTA o incidente de pedido para declaração da improcedência das razões concretas invocadas na “resolução fundamentada“. A lei não prevê que se peça a vã ou mera apreciação dos “motivos” da “resolução”. E a economia processual justifica-o: só vale a pena apreciar os motivos concretos da “resolução fundamentada” se houver desrespeito pela regra imperativa constante do nº 1 do art. 128º, ou seja, se se prosseguir ou tiver prosseguido na execução do acto administrativo[2].
O processo cautelar permite contudo, que o requerente, nos termos no nº 4 do mesmo artigo, ponha em causa a legitimidade da resolução através do pedido de declaração de acto de execução indevida. Tem-se entendido que este pedido de declaração de ineficácia depende não da existência de um grave prejuízo para o interesse público mas sim do sentido da decisão cautelar, pelo menos nos casos de indeferimento da providência. Assim, nos casos em que exista em contraponto com o interesse do particular um interesse público relevante, pode ser aconselhável apresentar um pedido ao abrigo do art.º 131.º CPTA para suspensão de eficácia pois se este proceder, obsta à elaboração de resolução fundamentada.
A garantia provisória dos direitos fundamentais pode ser assegurada através de outros mecanismos, não se limitando à providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto. Existem dois tipos de providências cautelares: as antecipatórias (quando o interessado vise prevenir um dano, mediante antecipação de uma situação que não existia anteriormente) e as conservatórias (quando o interessado pretende manter ou conservar um “direito”, ou seja, pretende manter uma situação procurando que ela não se altere).
As providências cautelares a adoptar podem consistir numa das situações elencadas no art.º 112 n.º 2. E, para que essas providencias sejam decretadas é necessário que se verifiquem os requisitos do art.º 120 CPTA: o periculum in mora, o fumus boni iuris e a ponderação de interesses. Ou seja, após a verificação do periculum in mora e do fumus boni iuris pode o tribunal administrativo ponderar os interesses conflituantes seja recusando a decretação, seja substituído a providência requerida por outra menos lesiva[3].
Cumpre por último analisar o decretamento provisório da providência, previsto no art.º 131º CPTA. Nos termos do n.º 1 do artigo referido: “quando a providência cautelar se destine a tutelar direitos liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil ou quando entenda haver especial urgência, pode o interessado pedir o decretamento provisório da providência”. Este artigo é alvo de diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no que respeita ao facto de puder ser aplicado a qualquer providência, embora esteja inserido no capítulo das Disposições Particulares.
A este respeito tem entendido Vieira de Andrade que o decretamento provisório só se aplica a direitos, liberdades e garantias. Já Mário Aroso de Almeida parece não restringir a aplicação do artigo em causa, apenas aos casos de direitos, liberdades e garantias, afirmando que a aplicação dependerá da urgência da tutela e não na qualidade do direito.
Parece que o regime do art.º 131 é excepcional, só se podendo considerar a existência de situações de especial urgência quando os interesses do requerente estejam em risco que sofrer uma lesão iminente e irreversível[4].
A Constituição impõe no art.º 268 n.º 4 a tutela jurisdicional efectiva de direitos fundamentais e direitos ou interesses legalmente protegidos. Daí que o seu campo de aplicação é mais vasto do que o previsto no art.º 20 n.º 5 da CRP, uma vez que se permite a aplicação do preceito em qualquer situação de especial urgência, não se restringindo aos casos em que estejam em causa a lesão de direitos, liberdades ou garantias.


 Márcia Farias




[1] José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 2011, págs. 301 e 302
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo do Sul processo 07052/10.
[3] Revista do Ministério Público 127 Julho: Setembro, Miguel Prata Roque “Providências Cautelares Administrativas…”
[4] Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2007, pág. 761.

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