Relações Multilaterais - Modelo
Objectivista, Subjectivista e os reflexos na ordem jurídica portuguesa
O sistema paradigmático
da multilateralidade administrativa é o sistema jurídico-administrativo alemão
que tem por base um modelo subjectivista, pelo que a legitimidade processual de
um terceiro dependerá do facto de este terceiro ser titular de um direito
subjectivo público.
A este entendimento
opõe-se o modelo francês que se baseia num controlo objectivista da legalidade
não pressupondo a existência de direitos subjectivos de terceiro, pelo que se
pode dizer que este sistema é o paradigmático da bipolaridade.
O sistema português a
questão da multilateralidade não se colocava uma vez que o chamado contencioso
administrativo por natureza se reconduzia ao recurso directo de anulação
prescindindo do conceito de relação jurídica. O sistema português seguia então
o modelo administrativo francês de vertente objectivista orientado para o
controlo da legalidade e não para a defesa dos administrados, sendo nestes
termos difícil a aceitação de relações jurídicas multilaterais.
O surgimento da questão
em análise deve-se a Gomes Canotilho uma vez que determinou que as relações jurídicas não
assentam somente num esquema binário em que de um lado temos os poderes
públicos e do outro um particular, antes entendendo que do lado dos
particulares existia um complexo multipolar de interesses diferentes ou mesmo
contrapostos. Por fim, o seu contributo foi ainda evidente, no âmbito do
direito do ambiente determinando a existência de relações “poligonais” onde
estariam em presença interesses diferenciados e diferentes situações
subjectivas. Reconhece então o autor a legitimidade de terceiros para intervir
no processo ou mesmo para iniciar o procedimento quando lesados.
Ainda relevante para ao
desenvolvimento da questão das relações jurídicas multilaterais em Portugal foi
o contributo de Vasco Pereira da Silva, uma vez que o autor no seu manual “Em
busca do Contencioso Administrativo Perdido” determina como principal
característica da nova Administração do Estado pós-social a multilateralidade.
No seu entendimento as decisões administrativas não são meramente bilaterais
produzindo efeitos susceptíveis de afectar uma pluralidade de sujeitos, sendo
multilaterais as decisões genéricas como as autorizações administrativas (por
exemplo autorizações de construção relativamente aos efeitos que produzem em
relação a terceiros).
O autor em questão
contribuiu ainda para o desenvolvimento da dogmática das relações multilaterais
no que diz respeito ao aparecimento de novos direitos subjectivos públicos no
ordenamento português, que existiam no direito alemão mas não na ordem
nacional. Como exemplo destes novos direitos, o autor refere o direito dos
vizinhos do dono da obra, o direito dos “utentes do ambiente” e o direito a uma
intervenção da policia. Assim a titularidade de direitos subjectivos passa a
poder ser alegada tanto pelos particulares destinatários do acto ou medida administrativa,
como por aqueles que afectados no domínio dos seus direitos fundamentais, por
aqueles.
Os autores acima
referidos influenciaram a doutrina e a jurisprudência no que toca às relações
jurídicas multilaterais, sendo as mesmas reconhecidas no âmbito das relações de
vizinhança (direito do urbanismo e do ambiente).
Assim se
passou de um modelo de matriz francesa para um modelo germânico, claramente
subjectivista, tendo a doutrina e a jurisprudência nacionais confirmado a
existência de relações jurídicas administrativas que afectam não só o
particular a quem a medida administrativa se dirige, como àquele que vê os seus
direitos lesados, ainda que a decisão da administração não lhe seja dirigida.
Fala-se hoje na tutela de direitos subjectivos, enquanto projecção da dignidade
da pessoa humana constituindo um princípio essencial do Estado de Direito,
funcionando como posições de vantagem dos particulares perante a administração.
Márcia Farias nº 19719
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