terça-feira, 4 de dezembro de 2012

(Continuação) O "AU RAVOIR" AO OBJECTIVISMO FRANCÊS


 Relações Multilaterais - Modelo Objectivista, Subjectivista e os reflexos na ordem jurídica portuguesa

         O sistema paradigmático da multilateralidade administrativa é o sistema jurídico-administrativo alemão que tem por base um modelo subjectivista, pelo que a legitimidade processual de um terceiro dependerá do facto de este terceiro ser titular de um direito subjectivo público.

         A este entendimento opõe-se o modelo francês que se baseia num controlo objectivista da legalidade não pressupondo a existência de direitos subjectivos de terceiro, pelo que se pode dizer que este sistema é o paradigmático da bipolaridade.

      O sistema português a questão da multilateralidade não se colocava uma vez que o chamado contencioso administrativo por natureza se reconduzia ao recurso directo de anulação prescindindo do conceito de relação jurídica. O sistema português seguia então o modelo administrativo francês de vertente objectivista orientado para o controlo da legalidade e não para a defesa dos administrados, sendo nestes termos difícil a aceitação de relações jurídicas multilaterais.

       O surgimento da questão em análise deve-se a Gomes Canotilho uma vez que  determinou que as relações jurídicas não assentam somente num esquema binário em que de um lado temos os poderes públicos e do outro um particular, antes entendendo que do lado dos particulares existia um complexo multipolar de interesses diferentes ou mesmo contrapostos. Por fim, o seu contributo foi ainda evidente, no âmbito do direito do ambiente determinando a existência de relações “poligonais” onde estariam em presença interesses diferenciados e diferentes situações subjectivas. Reconhece então o autor a legitimidade de terceiros para intervir no processo ou mesmo para iniciar o procedimento quando lesados.

           Ainda relevante para ao desenvolvimento da questão das relações jurídicas multilaterais em Portugal foi o contributo de Vasco Pereira da Silva, uma vez que o autor no seu manual “Em busca do Contencioso Administrativo Perdido” determina como principal característica da nova Administração do Estado pós-social a multilateralidade. No seu entendimento as decisões administrativas não são meramente bilaterais produzindo efeitos susceptíveis de afectar uma pluralidade de sujeitos, sendo multilaterais as decisões genéricas como as autorizações administrativas (por exemplo autorizações de construção relativamente aos efeitos que produzem em relação a terceiros).

           O autor em questão contribuiu ainda para o desenvolvimento da dogmática das relações multilaterais no que diz respeito ao aparecimento de novos direitos subjectivos públicos no ordenamento português, que existiam no direito alemão mas não na ordem nacional. Como exemplo destes novos direitos, o autor refere o direito dos vizinhos do dono da obra, o direito dos “utentes do ambiente” e o direito a uma intervenção da policia. Assim a titularidade de direitos subjectivos passa a poder ser alegada tanto pelos particulares destinatários do acto ou medida administrativa, como por aqueles que afectados no domínio dos seus direitos fundamentais, por aqueles.

        Os autores acima referidos influenciaram a doutrina e a jurisprudência no que toca às relações jurídicas multilaterais, sendo as mesmas reconhecidas no âmbito das relações de vizinhança (direito do urbanismo e do ambiente).

Assim se passou de um modelo de matriz francesa para um modelo germânico, claramente subjectivista, tendo a doutrina e a jurisprudência nacionais confirmado a existência de relações jurídicas administrativas que afectam não só o particular a quem a medida administrativa se dirige, como àquele que vê os seus direitos lesados, ainda que a decisão da administração não lhe seja dirigida. Fala-se hoje na tutela de direitos subjectivos, enquanto projecção da dignidade da pessoa humana constituindo um princípio essencial do Estado de Direito, funcionando como posições de vantagem dos particulares perante a administração.

Márcia Farias nº 19719

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