Os Três
Sacramentos do Contencioso Administrativo – Parte II
Retomamos,
assim, esta demanda, que é a da purificação de um Contencioso Administrativo
ferido de Pecado Original. Já o tendo guiado através do seu Baptismo, resta-nos
agora, dispor do seu percurso sacramental quanto à expurgação dos vícios que
lhe afligiram a infância.
Temos,
então, o Crisma, que, no Contencioso Administrativo equivale a dizer uma dupla
fase de acolhimento, bipartição esta que é adoptada por VASCO PEREIRA DA SILVA.
Encontramos
aqui, numa primeira sub-fase o acolhimento Constitucional, onde é pioneira a
Alemanha num avanço de cerca de vinte anos dos restantes colegas europeus. O
Contencioso é posto sob a alçada de verdadeiros tribunais, encarando a
protecção de particulares com mais seriedade do que outrora.
Tomemos
brevemente o exemplo Alemão, de rápida constitucionalização do sujeito em
análise: tudo começou em 1949 com a Lei Fundamental de Bona. Ora, tal inovação
antes de tempo deu azo a uma contraposição entre o sistema francês e o alemão,
sem que contudo se possa desconsiderar esta constitucionalização do contencioso
na Alemanha (é altura do Estado Pós-Social, sucede ao Welfare State ou Estado Providência), afinal temos a cristalização
da Justiça Administrativa e o binómio Juiz-Administração numa relação com menos
prepotência, já aqui o juiz mais independente e “saído-da-casca” (isto para sermos
perfeitamente corriqueiros). Então até em meios processuais mais adequados a
tutelar esta recém-protegida dinâmica com os particulares, a Alemanha se
antecipa.
Agora, em
Portugal, a Constituição da República de 1976 crima o Contencioso, desde logo
autonomizando os Tribunais Administrativos dentro do poder judicial. Já então
com a protecção inequívoca de protecção dos particulares, especialmente ou mais
claramente, a partir da reforma de 1989, como refere também VIERA DE ANDRADE.
Entretanto, este sistema da Constituição veio a ser concretizado num
pós-reforma de 2004, equilibrando a Justiça Administrativa, a protecção dos
particulares e disposições processuais à medida.
É
pertinente ainda, senão absolutamente indispensável referir a especialização do
Contencioso Administrativo no sistema Britânico.
A segunda
sub-fase de que falaremos ainda é nada mais, nada menos que a europeização do
Contencioso Administrativo, pela harmonização de matérias, crescentes
comparações entre sistemas dos Estados, prolifera também nas Organizações
internacionais. Refere ainda, VASCO PEREIRA DA SILVA a “dependência
administrativa do Direito Europeu” e a “dependência europeia do Direito
Administrativo” (O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, Vasco Pereira da Silva, p. 114).
Esta europeização vem reforçar os pontos já tocados: tutela dos particulares,
ampliação e criação de meios processuais próprios.
Voltamo-nos,
em sede de “finalmentes” para um futuro hipotético, tão perigoso e redundante
como sempre é falar de futuro.
Veriamos as
autoridades administrativas, no domínio da gestão privada, submetendo-se na sua
devoção a um direito comum, desapegando-se de uma posição de
autoridade/supremacia face aos particulares e ingressando, destarte, face a
estes últimos, numa posição de paridade.
Nesta
situação, nenhuma razão subsistirá para manter o Contencioso Administrativo
como mais que contencioso comum… convirá então mandar vir o Padre para vir
absolver o sujeito em análise de todas as suas culpas, traumas e pecados.
Seria o
terceiro e último sacramento: a Extrema-Unção do Contencioso Administrativo.
MARGARIDA D'OLIVEIRA MARTINS
Nº 19725
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