1- No trabalho em apreço, pretendemos contribuir com uma analise sintética sobre a impugnabilidade dos actos administrativos , centrando o nosso método analítico nos caminhos adoptados pelo legislador português na Reforma de 2004. Com isto , e feita esta brevíssima apresentação passamos ao elemento nevrálgico que suscitou a realização do presente trabalho.
2- A impugnação de actos administrativos encontra-se englobada no âmbito da acção administrativa especial e vem regulada nos artigos 50 e ss do Código de processo nos tribunais administrativos (CPTA) . Esta figura apresenta-se como sendo , a sucessora do Recurso de Anulação , que já demonstrava sinais claros de decadência, nomeadamente devido ao seu âmbito bastante restrito. Cabe-nos tecer algumas considerações sobre este recurso , que na verdade não é recurso , e não é (somente) de anulação . O Recurso é uma acção , visto tratar-se da primeira apreciação jurisdicional e não de apreciação de segunda instância, ademais não se trata de uma "acção" meramente de anulação , pois esta "acção" podia desencadear efeitos de natureza confirmativo e repristinatório. [1]
3- A reforma de 2004 , decidiu prescindir desta figura , dando lugar a uma acção de impugnação de actos administrativos, possibilitando a apreciação da integralidade da relação jurídica administrativa, a propósito da impugnação de um acto administrativo lesivo, consagrando a admissibilidade generalizada de cumulação de pedidos ( art 4 e 47 do CPTA) [2]. Admitindo a conexão com qualquer dos pedidos principais de quaisquer outros que com eles apresentam uma relação material de conexão, designadamente o de condenação na reparação dos danos resultantes da actuação ou omissão ilegal [3] . Voltando aos tempos do recurso de anulação, a maioria da doutrina entendia que o único pedido admissível era o da anulação do acto administrativo , esse no entanto não era o entendimento da nossa regência que defendia de modo árduo a necessidade de englobar nas sentenças do recurso de anulação, para alem do efeito anulatório, um efeito repristinatorio .
4- Feito este brevíssimo enquadramento histórico iremos passar a analise dos pressupostos processuais da acção de impugnação :
1) Conceito de acto administrativo impugnável
2) Legitimidade
3) Prazo
1) É de salientar que para definirmos o conceito de acto administrativo impugnável teremos que nos auxiliar da própria definição de acto administrativo que nos termos do art 120 CPA ,que se refere as decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta. No entanto o conceito de acto administrativo impugnável não se coaduna com o conceito de acto administrativo sendo por um lado mais abrangente , e por outro mais restrito. Mais abrangente , na medida em que não depende exclusivamente da qualidade administrativa do seu autor (art 51 nº2 CPTA) . E mais restrito , visto que só tem em atenção as decisões administrativas com eficácia externa (art 51 nº1 CPTA) [4]. Debruçaremos de seguida a nossa analise sobre o artigo 51/1 do CPTA . Tendo em conta o elemento literal relativamente a previsão da norma , parece-nos que o critério mais amplo é o da eficácia externa , desprezando o critério da susceptibilidade de lesão de direitos, no entanto estamos perante dois critérios autónomos , o que vem ser sustentado pelo próprio artigo 54 do CPTA , que prevê a impugnação de actos desprovidos de eficácia interna. Esta é a interpretação subjectivista feita pela regência que não é , de todo, o entendimento da maioria da doutrina. [5] .
Apesar da clareza da redacção do artigo, há quem entenda que o artigo 51 do CPTA tem que ser interpretado de forma restritiva, apesar de concordarem que , e passo a citar, "o CPTA não exige (...) em termos gerais , que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa " [6]. Esta argumentação surge devido ao afastamento por parte do CPA da regra do recurso hierárquico necessário (meio de impugnação de actos administrativos praticados por um órgão subalterno perante o seu superior hierárquico, com o objectivo de que este proceda à sua revogação ou substituição). Ora , segundo os ilustres , apesar da revogação da regra geral , as demais disposições avulsas que consagrassem tais exigências teriam que ser cumpridas , dizendo que " as decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada" [7] [8]. Ora não me parece que este seja o entendimento mais razoável, perfilhamos ,na temática em questão, a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva [9] . O Ilustre professor apresenta uma serie de argumentos contra esta posição , nomeadamente um argumento de ordem sistemático , de compatibilização da "regra geral" de acesso à justiça com as regras especiais que manteriam tal exigência. Ora se o intuito do recurso hierárquico era permitir a impugnação do acto administrativo e se agora se consagra a possibilidade de impugnação imediata do acto , qual é o utilidade prática de invocar as "regras especiais" que consagram o regime precedente? a resposta é a seguinte : Nenhuma!. Outro dos argumentos invocados é o argumento formal , diz-se que o CPTA revogou a regra geral do recurso hierárquico do CPA , mas não as "regras especiais". Mas o professor pergunta-se , se a revogação da "regra geral" não esvazia o conteúdo das ditas "normas especiais". Ora no meu entender esvaziam totalmente, a incongruência intelecto-cognitiva é flagrante , visto que ,para os ilustres, passou a ser "desnecessário" ,mas que pode continuar a ser exigido como condição prévia de impugnação, por conseguinte, e passo a redundância, estamos perante uma figura que sendo desnecessária , pode ser necessário. De seguida , o professor Vasco Pereira da Silva invoca um argumento derivado da própria Constituição , dizendo que justificar a restrição ao acesso à Justiça Administrativa depois da consagração da desnecessidade de impugnação administrativa prévia , é um desafio aliciante. Por ultimo, o professor fala do principio da promoção do acesso a justiça (art 7 CPTA) e da prevalência do mérito sobre a legalidade (art 8 nº2 CPTA) . Concluindo que o recurso hierárquico necessário tem que ser revogado expressamente de modo a proteger o próprio tráfego jurídico.
2) Quanto a legitimidade, a regra geral encontra-se prevista no artigo 9 do CPTA , que é preciso coadunar com as regras especiais dos artigos 55 e ss do CPTA , relativamente a acção de impugnação. Ora , a legitimidade activa para a impugnação de actos administrativos é concedida[10] :
a) no âmbito da "acção particular" - a quem seja titular de um interesse directo e pessoal (art 55 nº1 a)) ; as pessoas colectivas privadas que preenchem os requisitos do art 55 nº1 al c) ; as pessoas colectivas publicas actuando em defesa de interesses próprios
b) no âmbito da "acção popular " - aos cidadãos eleitores das comunidades locais, para impugnação dos actos ;dos respectivos órgãos autárquicos, independentemente de terem um interesse directo e pessoal na anulação. (acção popular correctiva); Pessoas e entidades mencionadas no artigo 9 nº2 do CPTA (acção popular social)
c) no âmbito da "acção publica" - o Ministério Publico para defesa da legalidade (art 55 al b) ; - aos Presidentes dos órgãos colegiais nos casos previstos do art 55 al e)
Uma ultima referência , relativamente ao artigo 57 do CPTA que se consubstancia numa imposição legal de litisconsórcio passivo necessário , sempre que houver contra-interessados , ou seja sempre que é intentada uma acção em que o autor omite a existência das partes que tenham particular interesse na manutenção do acto administrativo , a acção é improcedente.
3) Quanto ao prazo para intentar a acção , encontramos no artigo 58 do CPTA a tal oportunidade para impugnar os actos administrativos. Ora , segundo o artigo 55/1 do CPTA diz-nos que "a impugnação de actos nulos ou inexistentes não estão sujeitos a prazo " quanto a isto , não apresentamos nenhuma ressalva. No artigo 55/2 CPTA , encontramos "Salvo disposição em contrario , a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de um ano , se promovida pelo Ministério Publico e três meses, nos restantes casos " . Ora isto surge porque o Ministério Publico é o principal precursor da legalidade , daí a atribuição de um prazo mais lato. Sendo que a contagem é feita tendo em conta o regime aplicável no Código Processo Civil ( ou seja três meses corridos) .
[1] Vasco Pereira da Silva "O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, ensaio sobre as acções no novo processo administrativo"
[2] Vasco Pereira da Silva "O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, ensaio sobre as acções no novo processo administrativo"
[3] Vieira de Andrade , " A Justiça Administrativa"
[4] Vieira de Andrade , " A Justiça Administrativa"
[5] Vasco Pereira da Silva "O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, ensaio sobre as acções no novo processo administrativo"
[6] Assim, Mario Aroso De Almeida "O novo regime do P. nos T. Administrativos" , Mario Aroso de Almeida, "Manual de Processo Administrativo"
[7] Vieira de Andrade , " A Justiça Administrativa"
[8] Assim, Mario Aroso De Almeida "O novo regime do P. nos T. Administrativos" , Mario Aroso de Almeida, "Manual de Processo Administrativo"
[9] Vasco Pereira da Silva "O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, ensaio sobre as acções no novo processo administrativo" , Vasco Pereira da Silva "Temas e Problemas de Processo Administrativo" ,
[10] Vieira de Andrade , "A Justiça Administrativa"
Anthony Meira (nº19513)